Vamos entender melhor as razões da Polícia Civil do Rio de Janeiro ter firmado convicção de um envolvimento maior de Jair Bolsonaro nas trapalhadas de seus filhos.
Peça 1 – o fim da rachadinha
As revelações sobre Flávio Bolsonaro, divulgadas nos últimos dias, confirmam que, através de seu gabinete, ele financiava a família de Adriano Nóbrega (foragido), o chefe do Escritório do Crime, e Fabrício Queiroz, entre outros. Com os escândalos estourando, o esquema foi desfeito. E os parceiros aparentemente ficaram à míngua.
“Resolvendo essa pica que está vindo na minha direção, se Deus quiser vou resolver, vamos ver se a gente assume esse partido aí. Eu e você de frente aí. Lapidar essa porra”, afirmou ele ao interlocutor.
Ele se referia à formação do PSL no Rio de Janeiro. A “pica vindo em minha direção (…) do tamanho de um cometa” são as investigações do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro.
O início do áudio é significativo do seu estado de espírito: “O cara lá está hiper protegido, mas não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí”.
Peça 2 – o cerco ao laranjal
As investigações foram fundo no esquema de lavagem de dinheiro de Adriano e Queiroz, sufocando-os financeiramente, no momento em que a “pica do tamanho de um cometa” parte em sua direção.
Peça 3 – os PMs que vendiam segurança
Uma das empresas é a Santa Vigilância, registrada como Santa Clara Serviços LTDA., que tem entre os seus sócios o cabo da PM Diego Sodré de Castro Ambrósio. Ontem, o PM, lotado na Diretoria Geral de Pessoal (DGP) da Polícia Militar, foi exonerado da Secretaria estadual de Direitos Humanos, para onde havia sido cedido em 2014.
Quem é Diego Sodré de Castro? É justamente o sargento da PM que pagou R$ 16,5 mil de um imóvel adquirido pela esposa de Flávio Bolsonaro.
Segundo matéria de O Globo de ontem:
Em 2014, o policial abriu a empresa de vigilância Santa Clara Serviços. Nos anos seguintes (2015 a 2018), foram identificados transferências bancárias e depósitos em cheque do próprio Ambrósio e da Santa Clara para a conta corrente da loja de chocolates de propriedade de Flávio Bolsonaro. Segundo a investigação, a contabilidade da loja era usada por Flávio para mascarar dinheiro devolvido por seus assessores na Alerj. Os promotores também identificaram, em 2016, transferências do policial para dois assessores de Flávio.
O esquema era claro.
Possivelmente a pedido de Flávio, um deputado (no caso o deputado estadual Pedro Fernandes) requisita o PM. Daí, ele é liberado para fazer bico e arrecadar dinheiro. Pedro Fernandes é de uma família de políticos, e, apesar de ser do PDT, foi nomeado Secretário de Educação do governo Wilson Witzel.
Peça 4 – a armação do COAF
Como mostram as investigações do MPE, o esquema era amplo, pegando vários parentes próximos dos Bolsonaro. Já em janeiro, se soube que o COAF havia identificado R$ 7 milhões em movimentação nas contas de Queiroz, e não apenas o R$ 1,2 milhão divulgados. Evidentemente a interrupção do fluxo de recursos de tal ordem desestruturou a organização e abriu flancos perigosos nos laços de lealdade do grupo.
Além disso, as investigações do MPE trouxeram à tona outro possível crime administrativo cometido em 2018, para blindagem da candidatura de Jair Bolsonaro.
Até agora já se sabe que na conta do Queiroz foram depositados, no mínimo, mais de R$ 2 milhões (a suspeita final é de R$ 7 milhões). Significa que a movimentação financeira dele é no mínimo R$ 4 milhões, pois a movimentação é a soma de débitos e créditos na conta da pessoa.
O primeiro relatório do COAF sobre Queiroz apontou uma movimentação de apenas R$ 1,2 milhão. Obviamente foi fraudado.
O relatório COAF é um resumo de um conjunto de indícios de irregularidades que apontam para as autoridades investigativas uma situação que precisa ser esclarecida. Se uma parte desses relatórios são manipulados para esconder das autoridades investigativas a real situação de uma pessoa, seja para blinda-la, ou para colocá-la em evidência, então as autoridades investigativas são enganadas e induzidas ao erro.
Trata-se de um erro gravíssimo cujo objetivo foi deixar Queiroz e Flávio Bolsonaro de fora da lista de alvos da Operação Furna da Onça, comandada pela Lava Jato do Rio de Janeiro.
No Caso Queiroz, está evidente. Se o primeiro relatório COAF estivesse correto, é possível que todo o resultado eleitoral de 2018 teria sido diferente
Quem foi a autoridade que encomendou aquele relatório COAF manipulado?
A coordenação da Lava Jato
O Ministério Público do RJ?
O núcleo de inteligência fiscal da Receita Federal que tinha acesso direto ao COAF?
Peça 5 – o desmanche da ORCRIM
É aí que se entra na parte mais delicada.
Tudo tem a ver com a falta de dinheiro no esquema. Vários assessores tiveram que ser demitidos. Queiroz teve que ser mantido e tiveram que bancar todas as suas despesas.
Há os milicianos que perderam suas tradicionais fontes de renda. Há os foragidos que nem o Adriano do escritório do crime que têm que ser bancado.
De onde vem o dinheiro?
Peça 6 – o pedido de quebra de sigilo
Vamos desbastar mais um ponto da história.
— As acusações são muito graves, mas devemos garantir aos Bolsonaro a presunção de inocência. Agora seria a hora do presidente e seus filhos abrirem seu sigilos e dos gabinetes da família provando que são inocentes. É hora de o presidente Bolsonaro abrir o sigilo e provar que não deve nada. É o momento do presidente desmonstrar que a prática não era sistêmica nos gabinetes da família.
Santa Cruz vai mais longe.
Acha que deveriam ser abertos também os sigilos dos parentes de Bolsonaro que moram no Vale da Ribeira, em São Paulo. Completa Santa Cruz:
— Tem que abrir inclusive do núcleo do Vale do Ribeira que explora atividades comerciais. Só assim Bolsonaro pode acalmar o país. À mulher de Cesar não lhe basta ser séria, tem que parecer séria. Basta que o presidente apresente ao ministro Sérgio Moro e ao MP a documentação necessária para auditoria.
Ali, pegou no nervo exposto e chega-se a um dos pontos enigmáticos do tema: o aumento exponencial dos gastos do cartão corporativo da presidência.
Até novembro, a Presidência gastou R$ 14,5 milhões com cartões corporativos.
Alega que “as informações passíveis de pôr em risco a segurança do presidente, do vice-presidente e dos respectivos cônjuges e filhos serão carimbadas como reservadas, ficando sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição”. Que despesas poderiam colocar em risco a família do presidente?
Ouvida na ocasião, a secretária executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji, sustentou que o trecho da LAI citado pelo Planalto para manter os gastos com cartão corporativo em segredo não justifica essa decisão.
“Simplesmente porque as informações que eles classificaram sob essa justificativa não colocam em risco a segurança do presidente. Elas só são divulgadas depois que a compra foi feita. Ou seja, se alguém quisesse usá-las para atentar contra a vida dele (Bolsonaro), por exemplo, precisaria ter uma máquina do tempo (…) No máximo, uma ou outra despesa recorrente, a ponto de revelar brechas de segurança, trajetos ou outra coisa que comprometa a segurança dele, poderia ser enquadrada nesta lei. Mas todas serem dessa natureza, é impossível. Ou o cartão está sendo usado de forma indiscriminada”.
Seria muito, mesmo para uma família sem senso algum como os Bolsonaro, imaginar o uso do cartão corporativo para bancar amigos colocados ao relento, mesmo sabendo-se do desespero do grupo com a desestruturação financeira.
Mas é evidente que o cerco se fechou sobre os Bolsonaro. Desse enorme novelo sairão os fios capazes de se chegar ao mistério maior, da morte de Marielle.
Todos os personagens envolvidos no caso Marielle tem relação direta ou indireta com o esquema Flávio Bolsonaro. Daí, a convicção da Polícia Civil sobre o envolvimento dos Bolsonaro com a morte de Marielle.