Fora Standard & Poor's!

Processada nos EUA por cumplicidade com fraudes que precipitaram a crise, a agência de risco S&P desembarca no Brasil para dizer se o governo é ou não confiável

por: Saul Leblon

Incapaz de criar fatos que o resgatem da irrelevância propositiva, o conservadorismo salta de um lado a outro à procura de um galho que lhe dê alguma luz.

O resultado desanima até a condescendência da mídia amiga.

Entre a toga colérica, que rasgou a fantasia ética com a própria boca, e as máscaras incendiárias, que mais assustam do que contagiam, o saldo aderna.

A oito meses das eleições, uma nova esperança está prestes a entrar em campo.

Com poderes para dizer se o Brasil vai ou não ‘cumprir suas obrigações fiscais’, se o ‘governo é ou não confiável’, ‘se a política econômica está ou não no caminho certo’, a ilustre visita atende pelo nome de Standard & Poor’s.

Fosse um bicho, teria a morfologia de um cão farejador.

Sendo uma agência de risco, desembarca seu focinho tecnocrático para vasculhar até que ponto as contas do governo garantem o pagamento de juros aos rentistas da dívida pública (leia mais sobre a questão fiscal na coluna de Jaciara Itaim; nesta pág)

É nessa condição de quem ostenta uma coleira conduzida por poderosas mãos invisíveis –que também costumam asfixiar o pescoço de governos–que os emissários da ‘S&P’ terão acesso às contas brasileiras.

Reuniões em Brasília já estão agendadas para essa finalidade.

O gênero dos economistas de bancos, tão previsível quanto seus power points, também será ouvido, a exemplo das consultorias afinadas pelo diapasão do Brasil aos cacos.

A semelhança com as missões do FMI, ou os atuais comitês interventores da Troika, na Europa, não é coincidência.

O espírito é o mesmo.

Métodos e métrica, idem. E por uma razão muito simples.

Os interesses que movem os ternos negros em todo o mundo são os mesmos.

O apetite do capital rentista utiliza regularmente a matilha carimbadora de ‘ratings’ para devolver governos e nações à disciplina dos bons supridores de juros ao capital financeiro.

O capital pode ser volátil; as políticas fiscais, não.

Não importa a que custo para a sociedade.

É com base nessa tradição que o conservadorismo e seus jornalistas isentos esperam que a S&P reforce o seu palanque espetando um downgrade no coração da candidatura Dilma.

Ou seja, rebaixando a nota de risco que mede a capacidade de um Estado honrar os títulos que financiam sua dívida.

A mídia isenta não concebe a hipótese de a ‘S&P’ decepcionar.

Em junho do ano passado, quase em sintonia com os protestos, a agencia, com escritórios em 23 paíss já havia revisado a perspectiva do país de “estável” para “negativa”.

Não importa que as justificativas tenham sido desmentidas pelos fatos.

O PIB de 2013 cresceu mais do que estimava a torcida que agora aposta em um novo empurrão par abaixo.

A taxa de expansão da economia brasileira, de 2,3%, foi o dobro daquela do México, por exemplo, cuja nota de risco foi elevada no mês passado por outra agencia, a Moody’s.

A do Brasil, ao contrário, caiu dois graus abaixo da classificação festejada pelo ‘amigável’ presidente mexicano, Enrique Peña Nieto – comprometido com as ‘reformas’, explica o jornalismo comprometido com os interesses que delas se beneficiam.

O descontrole fiscal, ‘a gastança’ –o voluntarismo petista, diria FHC– outra justificativa para o rebaixamento brasileiro, tampouco se confirmou.

O Brasil mantém uma relação dívida bruta/PIB estável; exibe ademais uma das menores proporções de endividamento líquido (descontadas as reservas internacionais) do mundo.

No ano passado ela caiu para 35% do PIB.

Era superior a 60% há dez anos; um legado de FHC que os festejos dos 20 anos do Real omitiram distraidamente.

A elevada expectativa conservadora, bem como a tensão dentro do governo, com a chegada dos paletós pretos, não encontra lastro na respeitabilidade intrínseca da ‘S&P’.

No início de 2013, o Departamento de Justiça norte-americano abriu um processo por fraude contra ela.

Foi o primeiro grande processo contra uma agência de risco por sua cumplicidade com as práticas de mercado que resultaram na explosão da bolha imobiliário nos EUA, em 2008, e que acionaria o gatilho da maior crise mundial do capitalismo desde 1929.

A ‘S&P’, que ora vem cobrar rigor nas contas brasileiras e arguir as autoridades quanto a consistência das metas fiscais para 2014, enfrenta acusações por agir de forma algo discrepante em seu país.

Entre elas a de blindar com a nota mais alta (o almejado triplo-A) papéis e investimentos financeiros congenitamente insolventes, como era o caso das subprimes e seus derivativos de fragilidade ainda superior.

Investidores e fundos previdenciários que se orientam pelos parâmetros supostamente ‘técnicos’ dos ratings emitidos pela ‘S&P’ empanturraram-se de material tóxico, imaginando-se a salvo da tempestade que já se desenhava no céu.

‘(…) “[A S&P] conscientemente e com a intenção de defraudar, participou e executou um esquema para enganar os investidores’ (…) [passou a falsa ideia de que as suas classificações] “eram objetivas, independentes e não influenciadas por conflitos de interesses”, acusa o documento levado aos tribunais pelo Departamento de Justiça dos EUA, segundo noticiou o New York Times.

Um grupo de 13 municípios australianos abriu processo idêntico contra a agencia alegando prejuízos milionários pelas mesmas razões.

Estima-se que se uma única dessas ações fosse consumada, o precedente poderia despejar na ‘S&P’, sobre cujas sentenças recai boa parte das esperanças eleitorais do conservadorismo brasileiro, ajuizamentos da ordem de US$ 200 bi.

Em 2011, na tentativa algo caricata de recuperar uma credibilidade rastejante, a agencia rebaixou a nota de risco dos EUA.

O tiro saiu pela culatra.

Não faltou quem lembrasse que o rigor de seus técnicos foi muito inferior ao concederem nota A –elevada segurança– ao banco Lehman Brothers, cuja falência, em setembro de 2008, rompeu o dique da crise mundial.

O endosso da ‘S&P” à instituição símbolo da ruinosa supremacia das finanças desreguladas foi concedida em agosto, um mês antes da bancarrota.

Desconfia-se que já como parte da desesperada tentativa de continuar empurrando títulos do Lehman na goela dos incautos, como forma de mitigar as perdas dos grandes acionistas, diante da quebra inevitável.

Como corolário da impoluta trajetória ética e técnica recorde-se que o governo norte-americano encontrou um erro de cálculo de ‘apenas’ US$ 2 trilhões nas contas que orientaram a Standard & Poor’s a rebaixar o rating do país.

Esse é a folha corrida por trás da missão reverenciada com ansiedade pelo colunismo isento e as candidaturas pró-mercados.

A participação involuntária do governo Dilma nesse teatro de marionetes merece reflexão à parte.

Não é um problema do economicismo latente do governo –ou da complacência petista com o mercado, como se pode carimbar.

É mais grave que isso.

Decorre da paradoxal restauração de uma ordem iníqua apoiada nas ruínas de seus próprias dogmas e promessas.

É como se o Muro de Berlim desabasse e nenhuma sola de sapato consumasse a travessia, de um lado e outro.

O dique trincou, mas as águas congelaram diante da fenda.

A autoridade da ‘S&P’ emana dessa correlação de forças inercial cristalizada desde 2008.

Seu poder de chantagem agora se amplia, com a reabertura das rotas de fuga para as economias ricas, em ziguezagueante processo de recuperação.

De onde vem essa paralisia capaz de transformar a água em sua própria parede?

Vem da impotência anterior da democracia, que a tornou incapaz de renovar a sociedade e o desenvolvimento mesmo em meio a uma crise sistêmica da ordem neoliberal.

Desarmada pelas derrotas anteriores da esquerda, e a adesão de uma parte dela ao cuore neoliberal, o sistema representativo deparou-se com a fenda do dique sem dispor de canais de debate e organização para não só acolher como estruturar um jorro de vontade mudancista.

As ruas se encheram de indignação na Espanha, por exemplo.

Mas as urnas elegeriam Mariano Rajoy, herdeiro da cepa franquista, que calafetou a muralha com uma taxa de desemprego de 60% entre a juventude espanhola.

A prostração democrática não é uma fatalidade diante de uma crise sistêmica.

Ela é um produto histórico. De decisões políticas. E rendições ideológicas.

O campo progressista brasileiro tem nas eleições de outubro um poderoso instrumento para demonstrar que não é necessário que seja assim.

A ‘Standard & Poor’s desembarca com respaldo dos mercados, da mídia e do conservadorismo não apenas para chantagear o final do governo Dilma.

Mas para engessá-la no palanque de outubro.

No limite, desossar sua eventual reeleição.

O que significa frustrar o desejo mudancista do eleitor brasileiro, majoritariamente associado à sua condução do processo.

Se a uma organização com os atributos da ‘S&P’ é facultado o acesso a todas as informações de governo, ademais do tempo requerido de seus principais técnicos e assessores, algo equivalente deve ser feito na direção oposta.

Aquela que fortaleça a democracia, abrindo canais suplementares de participação da sociedade na discussão do passo seguinte do seu desenvolvimento.

O programa de governo da candidata Dilma Rousseff é a ponte entre a prostração democrática que favorece a chantagem dos mercados, e uma repactuação consistente do futuro, feita de prazos e metas críveis para a construção da cidadania plena no país.

O programa de governo da reeleição pode e deve ser construído em debate aberto com a sociedade através da rede já existente de sites e blogs progressistas.

O casamento da democracia com o desenvolvimento não acontecerá à margem do poder.

E não há nada mais poderoso do que uma plataforma de governo sedimentada em debate amplo, convergindo para círculos e conferencias presenciais da militância progressista.

Ilusão não é erguer pontes que materializem o horizonte de uma democracia social.

Ilusão é achar que ela

Tribunal mantém veto à cessão de terreno para Instituto Lula

Desembargador vê “situações de inconstitucionalidade” em lei que autoriza Prefeitura de São Paulo a entregar imóvel por 99 anos

Por Fausto Macedo

O Tribunal de Justiça manteve proibição imposta à Prefeitura de São Paulo de ceder imóvel avaliado em R$ 20 milhões ao Instituto Lula. Em despacho de quarta feira, 5, o desembargador Borelli Thomaz, da 13.ª Câmara de Direito Público do TJ, rejeitou recurso (agravo de instrumento) da Prefeitura contra liminar da primeira instância, de 10 de fevereiro, que acolheu ação civil proposta pelo Ministério Público.
Borelli Thomaz assinalou que “desde logo se entreveem situações de inconstitucionalidade” na cessão do terreno, situado no bairro da Luz, região central da Capital.

O desembargador negou o efeito suspensivo pretendido pela Prefeitura, mantendo de pé o veto à cessão do imóvel. Ele decretou a suspensão do processo até o julgamento de mérito do recurso.
A cessão do imóvel foi aprovada por lei municipal na gestão Gilberto Kassab (PSD), em 2011.
O desembargador observou que a operação representa “perceptível atentado” aos artigos 37 da Constituição (violação aos princípios da moralidade, legalidade e impessoalidade) e ofensa aos artigos 17 e 24 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações).

Borelli Thomaz confirmou a liminar do juiz Adriano Marcos Laroca, da 12.ª Vara da Fazenda Pública, que declarou ser possível “o controle da constitucionalidade e da legalidade” da Lei Municipal número 15.573/2012, que autorizou a Prefeitura a ceder o imóvel, sem licitação e pelo prazo de 99 anos, para instalação do “Memorial da Democracia”, projeto do Instituto Lula.

Para o juiz, a iniciativa “viola a moralidade pública”. Ele determinou à Prefeitura e ao Instituto que não iniciem ou continuem a execução do contrato, sobretudo quanto à ocupação efetiva da área pública concedida, sob pena de multa diária de R$ 500 mil.

O juiz ordenou que o Município, com “seu poder de polícia”, tome medidas para evitar a invasão do imóvel.

A ação civil é subscrita pelos promotores de Justiça Valter Foleto Santin e Nelson Luís Sampaio de Andrade, que integram os quadros da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social, braço do Ministério Público que investiga e combate improbidade.

Os promotores de Justiça advertem, nos autos da ação civil, que o caso se trata de concessão de um terreno público a instituto privado, para “divulgação do acervo privado do ex-presidente da República Lula”. Eles destacam “inexistência de obrigatória lei municipal de interesse local sobre acervo presidencial, em lesão à legalidade”.

Para os promotores, a cessão do terreno caracteriza “proteção unipessoal, desatenção e omissão da memória de outros presidentes da República, em ferimento à igualdade e à democracia”.
Valter Santin e Nelson Andrade advertem, ainda, que a parceria entre a Prefeitura e o Instituto Lula representa “promoção e favorecimento pessoal de um único ex-presidente à custa do patrimônio público, em lesão à impessoalidade e à moralidade”. Apontam “custo elevado e benefício público restrito e direcionado, contra a eficiência”.

Os promotores que defendem o patrimônio público avaliam. “Falta interesse público de divulgação de acervo de apenas um (Lula).”

Para eles, está configurado o “desvio de finalidade pela contratação danosa e lesiva ao Tesouro”. Além disso, destacam, não houve licitação, apesar da existência de “inúmeras entidades em condições de concorrer pelo mesmo espaço público e finalidade, com ofensa à eficiência e outros princípios da boa administração e correta utilização de recursos e bens públicos”.

A Prefeitura, autora do agravo de instrumento, deverá aguardar o julgamento de mérito do recurso.

Com certeza esses homens da lei vão obrigar a Rede Globo devolver o terreno lá da sede de São Paulo, num é mesmo?

Aumenta as chances da presidente vencer no 1º turno

Desde que inventaram eleição em dois turnos no Brasil dela só escapou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tanto em 1994 quanto em 1998. Em nenhuma das três eleições posteriores o PT foi capaz de chegar à maioria absoluta dos votos para liquidar a fatura de uma só vez.
 
Num momento em que peemedebistas e petistas deixados ao relento, além de empresários e banqueiros queixosos, só se ocupam do "volta Lula", a aposta de que a reeleição da presidente Dilma Rousseff pode repetir a façanha de FHC parece uma alucinação.
 
A aposta tem nome e endereço e está a léguas, em distância e propósito, do quartel-general da campanha presidencial. Chama-se Alexandre Marinis, foi analista do banco Garantia e hoje tem uma consultoria que se dedica a esquadrinhar a política em números para seus clientes.
 
Todos se surpreendem até serem apresentados ao caminho percorrido pelo economista da Mosaico até as previsões que, só à primeira vista, parecem uma ressaca mal curada de carnaval.
 
O ponto de partida são as manifestações de junho do ano passado. Duas pesquisas Datafolha feitas antes e depois de as ruas se encherem mostram que o percentual de eleitores dispostos a dar um voto em branco ou anulá-lo havia mais do que duplicado.
 
Até o início de junho o patamar se mantinha no limite padrão de 7%. A partir das manifestações, esse percentual cresceria a ponto de chegar a 18% na última rodada de fevereiro.
 
Se um maior número de eleitores se diz disposto a anular sua opção para presidente ou votar em branco, diminui a cesta de votos válidos a partir da qual se conta a maioria necessária para que se liquide a fatura no primeiro turno.
 
 
A remissão às duas eleições de FHC é obrigatória. De cada dez eleitores que compareceram para votar em 1994 e 1998, oito validaram seus votos. O ex-presidente elegeu-se com metade desses votos.
Na era petista o sarrafo aumentou. Caiu o percentual de nulos, muito provavelmente por causa da universalização da urna eletrônica. Os votos nulos sempre foram maiores em cidades com maior número de analfabetos. A urna eletrônica facilitou o voto dessas pessoas.
Com isso, de cada dez eleitores que compareceram aos locais de votação nas três últimas disputas presidenciais nove validaram seus votos. Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma precisavam fazer uma metade mais robusta de votos que a de FHC. Falharam e acabaram enfrentando um segundo turno.
A julgar por todas as pesquisas desde as manifestações, o patamar de nulos estará mais próximo daquele observado nas eleições de FHC do que na dos petistas, o que embasa as convicções de Marinis sobre as chances de um único turno em outubro.
Além das evidências aritméticas, as pesquisas revelam que o alheamento prejudica a oposição porque tira do mercado os eleitores mais oposicionistas do pedaço. É duas vezes mais fácil encontrar um eleitor que aprova governo Dilma entre aqueles que pretendem escolher o senador Aécio Neves ou o governador Eduardo Campos do que entre aqueles que pretendem votar em branco ou nulo.
A entrada da ex-senadora Marina Silva como vice de Campos ou mesmo como candidata melhora as chances do PSB, mas não reduz o alheamento eleitoral.
Tanto Campos quanto Aécio devem torcer por candidaturas que ajudem a captar esse voto nulo. Se o pré-candidato do PSOL, o senador Randolfe Rodrigues (AP), começar a ser ouvido pelos desencantados pode ajudar a oposição. O mesmo talvez não possa ser dito se o ministro Joaquim Barbosa resolver disputar e, além dos alheios, roubar os votos da oposição.
O alheamento acendeu o sinal amarelo no Tribunal Superior Eleitoral, que prepara campanha institucional sobre a importância do voto. Ao contrário de outras, de teor mais educativo e voltada para grotões analfabetos, esta, com um apelo mais cívico, buscará o eleitor das grandes cidades.
Desde as massivas demonstrações de junho, os protestos reduziram-se em escopo, mas não é só quem solta rojão que se afasta da urna. A violência gerada por ambos os lados e seu noticiário inflam a descrença na política institucional.
A despeito do empenho do governo em aprovar lei contra os rojões, as manifestações, pelo que mostram as contas de Marinis, podem acabar ajudando a reeleição. À dura tarefa de conquistar quem quer votar, soma-se aos percalços da oposição a façanha de arrebanhar os alheios.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

O plg como ele é

Escreve o jorna-lista Josias de Souza:

- "... escasseiam nas gôndolas venezuelanas gêneros de primeira e de segunda necessidade. De novo: faltam comida e papel higiênico nos supermercados".

Pergunto:
- Você viu, foi lá?

- Não, mas me contaram.

- Ah, um sujeito vai lá e diz que a coisa não é tão feia como o pig pinta. Você diz que é mentira dele - por ouvir falar - e temos de acreditar em você. Então tá. A partir de agora, vou acreditar em toda fofoca que alguém me contar.

Paulo Nogueira - Roberto Marinho foi um gênio, há que reconhecer

Mas um gênio do mal.
Sua maior obra foi montar um esquema inviolável de manipulação dos poderes no Brasil.
As emissoras afiliadas, entregues a políticos amigos, como Sarney e ACM, garantiram que no Congresso a Globo jamais seria questionada seriamente.
Já sem ele, a obra de controle foi estendida à Justiça pelo Instituto Innovare, do qual falei aqui outro dia.
Na fachada, o Innovare premia anualmente práticas inovadoras no judiciário em cerimônias às quais comparecem os juízes mais poderosos do país, notadamente os do Supremo.
A aproximação, neste processo, dos Marinhos com os juízes  é uma aberração do ponto de vista ético e uma agressão ao interesse público, dados os interesses econômicos da Globo.
Contar com juízes amigos é bom para a Globo e ruim para a sociedade.
Um dia Gilmar Mendes, por exemplo, terá que explicar por que concedeu habeas corpus a uma funcionária da Receita flagrada tentando fazer desaparecer os documentos da célebre sonegação – trapaça é a melhor palavra – da Globo na Copa de 2002.
Uma passagem anedótica do Innovare junta Roberto Irineu Marinho, presidente da Globo, e o juiz Cesar Asfor Rocha. Uma foto registra um abraço cordial entre ambos numa premiação. Rocha  presidia o STJ e era cotado para uma vaga no STF, na gestão Lula. Acontece que chegou a Lula uma história segundo a qual Rocha pegara uma propina para favorecer uma empresa  num julgamento.
O mais curioso é que Rocha acabou votando contra quem lhe deu “uma mala de dinheiro”, segundo gente próxima de Lula. Investigado ele não foi —  nem pela Globo, nem pela Polícia Federal, nem por ninguém. Mas, se manteve a alegada bolsa, perdeu a indicação. Rocha, sem problema nenhum com a Justiça depois da denúncia, acabaria decidindo voltar depois para a advocacia.
A melhor prática para a Justiça é absoluta distância da plutocracia para que possa decidir causas com isenção e honestidade. (Investigar juízes acusados de pegar uma mala de dinheiro também vai bem.)
O Innovare é a negação disso.
Que políticos frequentem barões da mídia é lamentável, mas comum mesmo em democracias avançadas como a Inglaterra.
Nos últimos 30 anos, na Inglaterra, Rupert Murdoch – o Roberto Marinho da mídia britânica — foi procurado e bajulado por líderes conservadores e trabalhistas, indistintamente. (Um deles, Tony Blair, acabou estendendo a proximidade para a jovem mulher chinesa de Murdoch, com a qual teve um caso que levaria ao divórcio de Murdoch.)
Mas se juízes frequentassem Murdoch uma fronteira seria transposta. Jamais aconteceu. O juiz Brian Leveson não poderia conduzir as discussões sobre novas regras para a mídia inglesa se privasse com Murdoch.
Isto é óbvio, mas o poder prolongado da Globo a deixou de guarda baixa quando se trata de preservar a própria reputação.
O Innovare é um escândalo em si. E uma inutilidade monumental em seu propósito de fachada: melhorar a Justiça brasileira.
São dez anos de atividade. Quem poderá dizer que a justiça brasileira melhorou alguma coisa com o Innovare?
A Globo tem nas mãos como que um controle remoto com o qual comanda as coisas que lhe são essenciais no Brasil.
No futebol, um negócio de alguns bilhões por ano, a Globo teleguiou durante décadas os homens fortes da CBF, Havelange primeiro e depois Ricardo Teixeira.
‘Teleguiar” significou dar propinas, ou eufemisticamente, “comissões”. O Estadão mergulhou num caso que está na justiça suíça, relativo à Fifa. E escreveu numa reportagem: “Havelange recebeu propinas de uma empresa para garantir o contrato de transmissão do Mundial de 2002 para o mercado brasileiro.”
Quem transmitiu? E que jornal ou revista investigou o caso? A Veja não se gabava tanto de seu poder investigativo? Ou só vale para seus inimigos?
A mesma lógica de ocupação manipuladora a Globo promoveu em sua fonte de receita – a publicidade.
Nos últimos dez anos, a Globo perdeu um terço da audiência, em parte pela ruindade de sua programação, em parte pelo avanço da internet.
Mesmo assim, sua receita publicitária não parou de subir. Há uma aberração no Brasil: com 20% do bolo de audiência, medido pelo Ibope, a Globo tem 60% do dinheiro arrecadado com publicidade.
Ganhar mais publicidade com menos público é façanha para poucos.
O milagre, ou truque, se chama Bônus Por Volume, o infame BV. Basicamente, quanto mais uma agência veícula na Globo, mais recebe.
Meu amigo Jairo Leal, antigo presidente da Abril, me disse que muitas agências simplesmente quebrariam se não fosse o dinheiro do BV.
É claro que uma hora o anunciante vai se incomodar com o dinheiro excessivo posto numa emissora que perde, perde e ainda perde espectadores.
Mas até lá você – em boa parte graças ao BV – vai ver os Marinhos no topo dos bilionários do Brasil.

Bom dia

Portanto, em vez de uma oração faça uma boa ação, ok?

Bom dia

Portanto, em vez de uma oração faça uma boa ação, ok?