Quando gente como Silas Malafaia ou Marco Feliciano abre a boca para vomitar ódio contra homossexuais, deve-se pensar cada vez menos em religião e mais em dinheiro

Siga o dinheiro, sempre ele.

O que faz o sucesso de um pastor? Um rebanho grande, uma multidão disposta a tudo para expulsar de suas vidas o que identificam como o demônio, o diabo, o tranca-rua, o coisa-ruim, aquele que atrasa as coisas; o "inimigo", enfim.

O inimigo tem as faces de sempre: as drogas e o álcool, o adultério, o vício no jogo, o fracasso financeiro, etc etc.

O rebanho paga bem, muito bem, para se ver livre do demônio. Milhões e milhões de reais livres de impostos.

E o "demônio" que mais assusta o Brasil conservador, você imagina qual é: é um diabo que faz você ouvir Madonna e bebericar cosmopolitans. Em pesquisa do Ibope feita há três anos, 24% dos brasileiros disseram que se afastariam de um colega de trabalho caso descobrissem que ele é gay. No mesmo estudo, 55% se colocaram contra a união de pessoas do mesmo sexo. Entre as pessoas de mais de 50 anos, o número subia para 73%.

Toda vez, portanto, que Malafaia aparece dizendo que está "aqui pra dizer que a família é milenar, homem, mulher e sua prole", ele está ouvindo o dinheiro tilintar na caixa registradora. Quando ganha fachada ao pedir o boicote a uma novela ou um comercial de perfume que ousem retratar a realidade, ele ouve o farfalhar das notas.

Toda vez que Marco Feliciano escreve (sic) no Twitter que "A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, à rejeição", ele liga para o salão de beleza e encomenda o alisamento capilar mais caro que o dinheiro pode comprar.

Até quando vira notícia porque seu site é invadido por hackers que pintaram a página inicial com as cores do arco-íris, Feliciano vai sorrindo a caminho do banco.

Você não precisa acreditar em mim. Acredite (se conseguir) em Malafaia. Veja um tweet dele:

São homens que vivem do medo, que vivem de incitar o preconceito e o ódio para vender a solução em seus templos. São homens ricos que ficarão mais ricos em meio a cada polêmica.

Porque simplesmente não há punição contra seus crimes de ódio contra cidadãos brasileiros que nada de errado fizeram.

Instilando o desespero na mente das pessoas, associando os gays à decadência moral, a doenças e comportamento criminoso, eles conseguem, lá na frente, cacife político para colocar um Eduardo Cunha na presidência da Câmara. O mesmo abominável que trava toda a agenda de inclusão GLBT e que, em silêncio, aprovou na semana passada mais isenção tributária a igrejas.

(Cunha, aliás, é dono de uma mega rádio gospel, onde se criou como força política. Seu apetite para ganhar dinheiro em nome do Senhor é tão grande que o rapaz se adonou de 154 domínios de internet com a palavra "Jesus".)

Ter preconceito contra homossexuais, portanto, é um bom negócio. Quem sabe não se arranja até espaço para promover a "cura gay", como quis Feliciano enquanto presidia a Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

Imagine quanto se cobra a uma faxineira para "endireitar" o filho boiola por aí.

Uma das raízes da palavra homofobia é, não à tôa, "medo"; na socidade ocidental, há séculos o homossexualismo é alvo do que pode se classificar de medo irracional.

Algumas linhas da psicologia afirmam que a homofobia não passa da projeção de um medo interior de sentir atração por alguém do mesmo sexo. Proibindo que a homossexualidade aconteça fora dele, o indivíduo acredita estar em segurança com seus impulsos indesejáveis. É um mecanismo rudimentar de autopreservação do aparelho psicológico.

É comum achar que sim, mas não acho que nossos pastores sejam gays enrustidos. Duvido até que sejam, realmente, homofóbicos.

São capitalistas declarados, isso sim. Gênios da publicidade gratuita, manipulam o medo dos pobres e segregam quem nada tem a ver com seu sonho de poder.

(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).

Sobre o Autor

Jornalista, com passagens pelas revistas Época, Viagem e Turismo, Alfa e pela TV Bandeirantes. Criador do programa Saca Rolha na BandNews FM. Um dos responsáveis pelo site Sensacionalista. Twitter: @zorzanelli

Impunidade: tucanos sequer podem ser investigados


Jornal GGN - Procuradores do Ministério Público de Contas foram impedidos de investigar irregularidades nos salários dos secretários escalados pelo governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), por determinação da presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), Cristina de Castro Moraes. Segundo informações do Estadão, a conselheira avaliou que "o órgão responsável pela fiscalização financeira da administração estadual não têm competência legal para realizar esse tipo de procedimento". Ela defendeu que apenas a iniciativa de apurar esse tipo de caso pertence, a rigor, à Chefia do Ministério Público de Contas, e não aos procuradores.

Cristiana tomou essa decisão mediante um processo aberto por dois procuradores do Ministério Público de Contas. Eles solicitaram a instauração de auditoria para apurar casos de violações ao teto salarial do funcionalismo público. De acordo com o jornal, há denúncia de que secretários estão recebendo muito mais do que deveriam. O inquérito seria estendido aos servidores dos três do Palácio dos Bandeirantes, da Assembleia Legislativa do Estado e dos órgãos do Judiciário.

O Estadão destacou que o funcionalismo é obrigado a respeitar os tetos remuneratórios previstos pela Constituição. "Funcionários ligados ao Executivo não podem receber valores acima do salário do governador - fixado no valor de R$ 21,6 mil. Os vinculados ao Judiciário estão submetidos ao salário dos desembargadores do Tribunal de Justiça - estipulado em R$ 30,4 mil. E os do Legislativo, ao salário de um deputado estadual, que é 75% do que recebe um parlamentar da Câmara federal (R$ 33,76 mil)", frisou.

A presidente do TCE admitiu que não existe diretrizes engessadas sobre as funções dos membros do Ministério Público de Contas, mas optou por equiparar o órgão ao Ministério Público por "simetria e analogia", embora ambos sejam independentes e tenham chefias distintas.

Dessa maneira, a conselheira abraçou uma tese controversa até mesmo dentro do MPE, acerda do papel dos procuradores e do procurador-geral. Alguns acham que é papel apenas do procurador-geral investigar um secretário de Estado, como se os titulares tivessem algum tipo de foro privilegiado. Outros, porém, sustentam que o procurador-geral não daria conta de ser exclusivo enssa função.

Briguilinks

Aécio Neves quer saber, quem mandou ele roubar?

por Luis Nassif
Aécio Neves nunca primou pelo conhecimento. Sempre foi superficial como a manchete de jornal - que, aliás, sempre serviu de guia para ele. Mas, ao menos, tinha a imagem de político esperto, conciliador, justamente o perfil que o jogo político atual exige para conter a extrema radicalização do momento.

Até FHC e José Serra se deram conta disso.

Não Aécio, que se meteu na armadilha de vestir o uniforme de Catão.

É uma rota sem futuro porque dilui completamente a imagem de conciliador que acumulou nos tempos de governo de MInas. Ao mesmo tempo, o expõe nas muitas suspeitas que pesam sobre ele.

Seu conterrâneo Rodrigo Janot, Procurador Geral da República, livrou-o de duas suspeitas pesadas. A primeira, as denúncias detalhdas de AlbertoYousseff sobre os esquemas de caixinha em Furnas, beneficiando Aécio, muito mais detalhes do que na maioria das ações encaminhadas por Janot contra outros parlamentares.

. A segunda, uma denúncia de conta no paraíso fiscal de Linchestein, que desde 2010 repousa na gaveta do PGR.

Alguém precisa alertá-lo que, até por esperteza, deveria abdicar desse papel ridículo de paladino da moralidade.

DEZ ANOS DEPOIS, UM LIVRO QUE DESNUDA O ‘MENSALÃO’

Na passagem dos dez anos do estouro da denúncia que resultou no escândalo do mensalão, um livro revisita em minúcias todo o processo e expõe as verdades, inverdades e meias-verdades distorcidas que proporcionaram ao país "o maior escândalo de todos os tempos". Trata-se de "O verdadeiro processo do mensalão", do advogado João Francisco Haas, que a editora Verbena está lançando. A Verbena, dirigida pelo sociólogo Benicio Schmidt, é uma editora que, como ele diz, "defende o direito das pessoas de terem direito à defesa"

O escândalo que partiu a história política brasileira recente não terminou com a condenação dos réus da Ação Penal 470, nem terminará com a extinção das penas. Este é um processo que continua, que se desdobra em outros escândalos e se vincula a um processo novo nas democracias, o de criminalizar as forças políticas indesejadas, ao invés de removê-las por atos de força, como no passado, no tempo dos golpes de estado à base de tanques. Na base de sua construção está a violação do princípio da presunção da inocência, que dá lugar à condenação prévia, ao convencimento da opinião pública antes da manifestação dos juízes.

Em seu prefácio ao livro, a professora Maria Luzia Quaresma Tonelli (doutora em filosofia pela USP com pesquisa sobre Judicialização da Política e Soberania Popular) resume o impacto do mensalão sobre os nossos dias e os que virão. "Vigora no país, desde a denúncia do "mensalão", o princípio da presunção da culpa, nunca aplicado aos partidos de oposição ao PT. Mesmo que na CPMI dos Correios o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, tivesse admitido que o pagamento aos políticos dos partidos que formaram a coligação para eleger Lula era dinheiro de campanha não contabilizado, ou seja, o conhecido caixa-dois, que configura infração mas não é crime, vigorou para sempre a tese do "mensalão" como pagamento mensal aos políticos da base aliada através de desvio de dinheiro público".

Sem nunca ter conseguido oferecer sua própria narrativa do mensalão, que implicaria reconhecer erros mas demonstrando que foram outros, e não os que fundamentaram a acusação, o PT segue como alvo da cruzada moralista, que agora não se volta mais contra seus dirigentes, mas contra o partido. A palavra de ordem dos protestos recentes foi "fora PT". Não só para o partido mas para todos que têm compromisso com a verdade e enxergam a sofisticada cultura da criminalização política que vivemos, são importantes os esforços de João Francisco Haas para contrapor-se à narrativa predominante. Ainda que apenas no futuro elas venham a fazer sentido.

Seu livro trata de desmistificar, com argumentos e provas, os principais postulados da denúncia do Ministério Público acolhida pelo STF e que fundamentaram a narrativa dominante: a de que para garantir a maioria parlamentar o governo do PT comprou deputados com dinheiro desviado dos cofres públicos.

Dedica maior esforço a desconstruir, com bases em documentos – alguns talvez nunca examinados pelos ministros entre os mais de 250 mil que compuseram o processo da ação penal 470 – o pilar central da acusação de Joaquim Barbosa, o de que foram desviados 78,3 milhões do Banco do Brasil para uma agência de Marcos Valério, a DNA, para financiar o pagamento de mensalões a deputados. Demonstra exaustivamente que os recursos, para começar, eram privados. Pertenciam ao fundo Visanet e eram destinados aos bancos para financia a publicidade de seus cartões de bandeira Visa. Com sua cota, o Banco do Brasil contratou tais serviços à agência DNA, de Marcos Valério. Haas reúne uma coleção de provas de serviços executados, algumas já apresentadas, também em vão, pela revista Retrato do Brasil. A lista dos 99 prestadores de serviço é encabeçada pela TV Globo, que recebeu 3,39 milhões de reais, seguida de outros fornecedores. É preciso acompanhar toda a exaustiva demonstração do autor para compreender os detalhes da intrincada narrativa que Barbosa, como relator, resumiu para os ministros do STF como sendo apenas uma grosseira transferência de recursos sem contrapartida para financiar a corrupção de deputados.

Diz o autor: "mais uma vez é aqui provado que o valor de R$ 73.851.356,18 foi devidamente usado em pagamentos de promoções dos cartões Ourocard Visa e, portanto, não foi desvidado ( ...) No entanto, os ministros condenaram os réus a vários anos de prisão, cumulados com elevadas multas, por um crime que não existiu. Por outro lado, não existe lei que comine de ilícito penal antecipações ou adiantamentos de valores, mormente quando provado que os serviços foram prestados!". Sim, porque houve antecipações de grande vulto, certamente para fazer face às demandas financeiras que eram feitas a Marcos Valério, a quem de certa forma Delúbio terceirizou a tesouraria do PT. Importante porém era verificar se houve ou não execução de serviços. Como diz Haas, pagar adiantado não é crime.

Com a mesma pertinácia apurativa, Hass revisita o caso do Bônus de Volume, ou BV – recursos de R$ 2,9 milhões que emissoras de televisão devolveram à agência DNA. Entenderam os ministros que estes recursos também foram criminosamentre apropriados pelas agências de Valério. Todo o mundo publicitário sabe que o famoso BV é uma bonificação das emissoras à agência de publicidade mas os ministros não se deram ao trabalho de investigar isso. Haas aponta quatro documentos fundamentais para a demonstração que NUNCA foram examinados pelo STF.

Exaure também a questão dos empréstimos do Banco Rural, para demonstrar que existiram e até foram pagos pelo PT. E como advogado, ataca as falhas propriamente jurídicas, como a negação do duplo grau de jurisdição aos que não tinham direito ao foro privilegiado mas foram julgados pelo STF. Depois do mensalão, entretanto, como agora mesmo na Lava Jato, quem não tem direito a foro privilegiado (cargos públicos e eletivos) está sendo julgado pela justiça comum. Como os empreiteiros, que estão na Lava Jato como os dirigentes do Banco Rural e das agências de publicidade para o mensalão. Ou os réus do mensalão tucano, nunca julgado até hoje.

O mensalão passou e hoje há quem diga que fez bem ao pais. Fez mal, muito mal, porque enfraqueceu a crença na democracia representativa e inaugurou a era da presunção da culpa e fortaleceu a tática da criação do inimigo interno. Este é o caminho contemporâneo para justificar exceções dentro da democracia. Como exceções? Como a do julgamento da ação penal 470. Algumas garantias são feridas com a justificativa de que é preciso combater o inimigo interno, como ensina o jurista Pedro Serrano, com seus estudos sobre os estados de exceção dentro dos estados democráticos de direito. Trata-se de uma construção muito sofisticada para ser alcançada pelo senso comum. Por isso talvez sejam inglórios, no presente, esforços como o de João Francisco Haas. Mas eles farão sentido para a escritura da História, que não é um carro alegre, pelo contrário, mas depois dos sacolejos, costuma colocar as abóboras no devido lugar.

Todos que já têm convicção firmada sobre o mensalão devem lê-lo sem preconceito. Modificando ou não seus pontos de vista ganharão mais informações. Quem tem dúvidas, mais razões tem para conhecer este trabalho, escrito certamente só por apreço à verdade pois esta não é uma matéria que garante sucesso de livraria e de venda.

Ladrão por ladrão na Zelotes e Suiçalão tem de montão

E então ficamos sabendo que o HSBC fechou um acordo com a Suíça para encerrar o escândalo Swissleaks.

O acordo é o clássico: o HSBC pagou para não ser mais importunado com processos, investigações e coisas desagradáveis do gênero.

O que nós não ficamos sabendo, no Brasil, é o lado brasileiro do caso.

Num dos maiores fracassos do jornalismo nacional, a parceria UOL e Globo para cobrir o assunto deu em nada.

Foi uma soma bizarra. Um mais um, UOL mais Globo, deu zero.

O experiente Fernando Rodrigues, do UOL, fez um papel ridículo, é certo. A lista dos sonegadores brasileiros foi passada a ele por uma obscura associação internacional de jornalistas investigativos da qual ele faz parte.

Poderia ser seu momento de glória, mas acabou sendo seu instante de opróbrio.

Fernando Rodrigues praticou também sonegação. Um outro tipo de sonegação: o de informações.

É verdade que  as chamadas ordens de cima devem ter limitado brutalmente sua autonomia para cuidar da história.

Os Frias, donos da Folha e do UOL, estavam na lista.

Se os Frias não cobriram nem a sonegação documentada da Globo, imagine o que eles não fariam com sonegação caseira.

O maior erro de Rodrigues provavelmente foi não manobrar para passar adiante, para mãos menos comprometidas, a tarefa de ser o responsável pela divulgação do escândalo no Brasil?

Vaidade? Ignorância a respeito da sonegação contumaz das corporações jornalísticas brasileiras?

Cada um fique com sua explicação. Acho que a hipótese dois, o desconhecimento, é a mais provável.

A morte do caso deve muito também ao comportamento omisso da Receita Federal e das autoridades econômicas do governo.

Sonegação é um assunto que exige, dos governos, berros. Em inglês, há uma expressão comumente usada: "name and shame".

Você dá os nomes e constrange os sonegadores.

No Reino Unido, o governo nomeou, há pouco tempo, empresas como Apple, Amazon e Starbucks como donas de práticas indecentes para evadir impostos.

Basicamente, elas fazem o seguinte: ganham dinheiro no Reino Unido mas pagam impostos em paraísos fiscais.

Os britânicos ficaram sabendo quanto faturam as empresas e quanto pagam de impostos. Isso gerou indignação na opinião pública. Houve manifestações em lojas da Starbucks em Londres, por exemplo.

No Brasil, o governo não se manifesta sobre nada, e a Receita menos ainda.

Quando se sabe quanto é vital equilibrar as contas, e os sacrifícios advindos do ajuste fiscal, é um silêncio indefensável.

A omissão faz entender uma colocação recente do antigo funcionário do HSBC que vazou a lista, Hervé Falciano.

Numa entrevista ao Estadão, Falciano disse que os especialistas em evasão – em geral advogados – se deslocaram nos últimos anos da Europa, onde o cerco agora é grande, para países como o Brasil.

Aqui, as coisas são bem mais fáceis para os grandes sonegadores.

Falciano usou a expressão "bancos opacos" para designar os que oferecem aos clientes manobras para evasão fiscal.

"O Brasil é o maior alvo dos bancos que praticam a opacidade financeira no mundo inteiro", disse ele.

Somos, segundo Falciani, "o país em que há mais facilidade para todas as atividades de finanças opacas".

Bilhões se perdem assim, e sistematicamente.

Mas ninguém bate panelas contra isso. Quanto à mídia, num universo menos imperfeito ela deveria ajudar a combater a sonegação.

Só que ela também sonega, como ficou claro mesmo nas miseráveis informações prestadas sobre o Swissleaks pela Dupla Zero, UOL e Globo.

(Acompanhe as publicações do DCM no Facebook. Curta aqui).
Paulo Nogueira
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

10 anos de Mentiras

Por Ednilson Machado e Patrícia Cornils

A denúncia do mensalão, feita há 10 anos pelo ex-deputado Roberto Jefferson em entrevista à Folha de S. Paulo, transformou-se nos anos que se seguiram numa implacável perseguição política e culminou num julgamento de exceção marcado por graves erros e distorções da verdade.

Roberto Jefferson, acuado pelas acusações de que seu partido, o PTB, estaria desviando dinheiro dos Correios, partiu para o ataque contra o governo, o PT e em especial José Dirceu. A campanha midiática após a denúncia obrigou o ex-ministro a deixar o governo para se defender e levou, ainda em 2005, à cassação do mandato de Dirceu na Câmara dos Deputados.

Mas por que podemos afirmar que o mensalão terminou em um julgamento de exceção? Porque, diferentemente do que concluiu o Supremo Tribunal Federal diante forte pressão da mídia que induziu a opinião pública contra os réus na última década, nunca houve compra de votos nem desvio de dinheiro público, como demonstra a revista RETRATO DO BRASIL.

As ALEGAÇÕES FINAIS apresentadas pela defesa de Dirceu em 2011 derrubam, com base no depoimento de dezenas de testemunhas, que nunca houve compra de votos e que o ex-ministro nunca se envolveu nos acordos financeiros entre o PT e a base aliada.

O julgamento da AP 470 cometeu erros crassos ao concluir que houve crimes de corrupção e peculato. Os R$ 73,8 milhões supostamente desviados do Fundo Visanet e Banco do Brasil foram, na verdade, integralmente gastos em campanhas de publicidade e de patrocínio do cartão Ourocard. Auditorias do Banco do Brasil e de escritórios independentes confirmam a prestação de serviços, porém toda a farta documentação a respeito foi ignorada ao longo do julgamento.

O dinheiro que o PT repassou aos partidos da base aliada, respeitando as alianças fechadas para as eleições de 2002 e 2004, foi obtido por meio de empréstimos legais junto aos bancos Rural e BMG, que seriam quitados com doações de campanha não declaradas ao TSE. O único erro do PT, assumido publicamente desde 2005, foi recorrer ao chamado caixa dois – dinheiro doado por grandes empresários – para financiar suas campanhas.

O julgamento ainda entra para a história por violar importantes garantias constitucionais e inovar em jurisprudências na Suprema Corte, como o desrespeito à presunção da inocência, à inversão do ônus da prova e à dispensa de atos de ofício para caracterização do crime de corrupção. Os ministros também recorreram equivocadamente à teoria do domínio do fato – tese elaborada na Alemanha para punir crimes da Segunda Guerra Mundial – para, mesmo sem provas, condenar o ex-ministro José Dirceu.

Sem tais ineditismos, a maioria dos ministros, conduzida pelo relator Joaquim Barbosa e pelo então presidente Carlos Ayres Brito, não teria como condenar os réus pelos crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, evasão de divisas e, sobretudo, formação de quadrilha. Em 13 de janeiro de 2014, este blog publicou uma lista com as 14 PERGUNTAS ESSENCIAIS SOBRE AS VIOLAÇÕES E OS ERROS DA AP 470.

Em sua sabatina no Senado em 5 de junho de 2013, Roberto Barroso, hoje ministro relator da ação penal, afirmou que o julgamento do mensalão foi um "ponto fora da curva". Inúmeros advogados e juristas já haviam se manifestado neste sentido em 2012.

"O processo não tem valor jurídico. Foi influenciado por fatores políticos, sem dúvida alguma, pela insistente campanha de grande imprensa e pelos desequilíbrios emocionais do ministro Joaquim Barbosa", afirma Dalmo de Abreu Dallari, um dos mais respeitados juristas do Brasil.

Em entrevista à jornalista Monica Bergamo, o jurista Ives Gandra Martins foi enfático ao afirmar que o ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas e que os ministros erraram ao recorrer à teoria do domínio do fato para fundamentar a condenação de Dirceu.

"O domínio do fato é uma novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha", afirmou Gandra Martins. "Eu li todo o processo sobre o José Dirceu, ele me mandou. Nós nos conhecemos desde os tempos em que debatíamos no programa do Ferreira Netto na TV. Eu me dou bem com o Zé apesar de termos divergido sempre e muito. Não há provas contra ele. Nos embargos infringentes, o Dirceu dificilmente vai ser condenado pelo crime de quadrilha".

A trajetória da condenação

O ex-ministro foi condenado pelo crime de corrupção ativa em 9 de outubro de 2012, véspera do primeiro turno das eleições municipais, numa forçada coincidência para influenciar o resultado das urnas contra o PT. Naquela noite, José Dirceu divulgou a carta AO POVO BRASILEIRO repudiando a decisão do STF.

Poucos dias depois, em 22 de outubro, véspera do segundo turno das eleições, o Supremo condenou o ex-ministro pelo crime de formação de quadrilha. José Dirceu voltou a se manifestar e publicou a nota NUNCA FIZ PARTE NEM CHEFIEI QUADRILHA.

Em 12 de novembro de 2012, o Supremo calculou a pena de José Dirceu em 10 anos e 10 meses de prisão em regime fechado. Na carta INJUSTA SENTENÇA, o ex-ministro condenou mais uma vez a forma como o julgamento foi conduzido: "A pena de 10 anos e 10 meses que a suprema corte me impôs só agrava a infâmia e a ignomínia de todo esse processo, que recorreu a recursos jurídicos que violam abertamente nossa Constituição e o Estado Democrático de Direito, como a teoria do domínio do fato, a condenação sem ato de ofício, o desprezo à presunção de inocência e o abandono de jurisprudência que beneficia os réus".

Um ano depois, em pleno feriado da Proclamação da República, o ministro Joaquim Barbosa determinou a prisão de Dirceu e outros réus, iniciando um novo capítulo de ilegalidades, agora na execução das penas. O Supremo inovou mais uma vez e decretou o "trânsito em julgado parcial", isto é, concluiu que o julgamento havia acabado antes mesmo que os embargos infringentes fossem analisados. "Eu nunca imaginei que o Supremo Tribunal Federal fosse tomar o rumo que tomou", afirmou à época o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello.

Na tarde em que foi preso, o ex-ministro divulgou a CARTA ABERTA AO POVO BRASILEIRO. "Como sempre, vou cumprir o que manda a Constituição e a lei, mas não sem protestar e denunciar o caráter injusto da condenação que recebi. A pior das injustiças é aquela cometida pela própria Justiça", afirma o texto. "É público e consta dos autos que fui condenado sem provas. Sou inocente e fui apenado a 10 anos e 10 meses por corrupção ativa e formação de quadrilha – contra a qual ainda cabe recurso – com base na teoria do domínio do fato, aplicada erroneamente pelo STF".

O texto prossegue: "fui condenado sem ato de oficio ou provas, num julgamento transmitido dia e noite pela TV, sob pressão da grande imprensa, que durante esses oito anos me submeteu a um pré-julgamento e linchamento".

José Dirceu começou a cumprir sua pena em regime fechado, embora o plenário do Supremo tenha decidido que caberia naquele momento, antes da votação dos embargos infringentes, que ele cumprisse a pena em regime semiaberto. Começaram, então, a série de boatos de que Dirceu e os demais presos do mensalão teriam regalias e privilégios na prisão. A onda de boatos foi alimentada pela imprensa, em especial pelo jornal O Globo.

Em janeiro de 2014, um novo golpe contra a liberdade de Dirceu: a Folha de S. Paulo publicou uma nota mentirosa de que Dirceu teria usado um telefone celular dentro da prisão. Três sindicâncias foram abertas e concluíram que nunca houve qualquer telefonema. No entanto, os boatos sobre supostas regalias e o factoide do telefonema mantiveram Dirceu preso no regime fechado por mais de sete meses.

Somente em julho de 2014, quando Joaquim Barbosa já havia anunciado sua aposentadoria e renunciado à relatoria da AP 470, o ex-ministro teve o seu direito ao trabalho externo reconhecido pelo plenário do Supremo. Uma cronologia, publicada pelo site Conjur em 24 de julho de 2014, REVELOU A FALTA DE MOTIVOS PARA A JUSTIÇA NEGAR O SEMIABERTO A JOSÉ DIRCEU.

Os erros cometidos pelo Supremo em 2012 começaram e ainda precisam ser corrigidos pela história. Em fevereiro de 2014, quando os réus já estavam presos e Dirceu era assediado pelos boatos de privilégios, a previsão do jurista Ives Gandra Martins se confirmou: o plenário do Supremo concluiu que o crime de formação de quadrilha não existiu. O ex-ministro passou a cumprir exclusivamente a pena de 7 anos e 11 meses por corrupção ativa.

Em 13 de maio de 2014, a defesa de José Dirceu apresentou denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), para que o órgão obrigue o Brasil, em respeito ao Pacto de San José, a cumprir o artigo oitavo da Convenção que estabelece o direito constitucional do condenado de recorrer a instância superior da Justiça. Ainda não há prazo para que a CIDH se manifeste sobre o tema.

Ainda no Supremo Tribunal Federal, onde o duplo grau de jurisdição não foi respeitado, o ex-ministro José Dirceu tem direito de pedir a revisão criminal, apresentando novas provas de que não praticou o crime de corrupção ativa.

Se, nos últimos dez anos, uma denúncia infundada e um julgamento de exceção levaram José Dirceu para a prisão, a próxima década terá de servir para que a Justiça brasileira reconheça e corrija os erros que escreveram uma página sombria em nosso Estado Democrático de Direito.