Pandemia de imbecilidade, por Antonio Prata

Em que momento, exatamente, decidimos globalmente que ser legal não era legal? Em que ano, que mês, que dia, ficou decretado que o burro do fundão que bota tachinha na cadeira da professora tinha mais autoridade do que a professora? Que mecanismo esdrúxulo da psicologia social nos fez (e faz) crer que a busca pela paz, pelo respeito, pela tolerância, pela preservação do meio ambiente e contra a desigualdade são frescuras de gente fraca ou um complô comunista para destruir a sociedade?
Pois são estas distorções mentais que a ascensão de Trump, Bolsonaro, Orbán, Erdogan, Salvini e tantos outros ogros coroa, muito mais do que uma onda da direita. Bolsonaro foi eleito repetindo vez após outra que seu ídolo era o torturador Brilhante Ustra. Não Margaret Thatcher. Não Ronald Reagan. Não os economistas Mises ou Hayek.
Ustra. Um açougueiro que levou crianças de cinco anos para verem os pais destruídos após uma sessão de tortura. (O menino não reconheceu a própria mãe, desfigurada). Bolsonaro dedicou o voto do impeachment de Dilma ao torturador e declarou no programa Roda Viva que seu livro de cabeceira era a biografia do carrasco. Admiradores de ditaduras costumam mentir para esconder a selvageria. Bolsonaro, não: parece ter uma fixação justamente pelas sevícias. Fez da ação humana mais abjeta a sua bandeira —e foi eleito.
Como toleramos tamanha excrescência? Admitir que uma pessoa que aplaude torturadores seja nosso presidente porque fará reformas econômicas necessárias é como levar os filhos num pediatra sabidamente pedófilo porque é um médico competente. "Abusou do meu filho? Sim, abusou, é o jeitão dele, mas a febre, ó, baixou que é uma beleza!".
A maior crise que enfrentamos, globalmente, não é a pandemia de coronavírus e nem a recessão mundial que ela provavelmente trará, ambas passarão: é uma crise de valores. Valores estes que os próprios ostrogodos que nos desgovernam fingem defender. O sujeito que repete como um papagaio "Brasil acima de tudo" incentiva manifestações no meio de uma pandemia e mesmo estando em quarentena, sai do palácio e dá a mão para centenas de aduladores. Coloca em risco, assim, a vida de milhares de brasileiros. O mesmo sujeito que repete como um autômato "Deus acima de todos" rasga os evangelhos toda vez que abre a boca ou faz arminha com a mão.
Escrevi na última crônica que a quarentena, turbinada pelas redes sociais e suas fake news, iria mandar o mundo de vez para a cucuia. Depois de dez dias em casa, porém, a sensação tem sido outra. É cedo pra fazer qualquer previsão, as notícias mudam a cada hora e ninguém sabe o que nos aguarda, mas existe uma chance de ouro de que este circuit breaker global faça com que paremos de correr como ratinhos numa roda de egoísmo e imbecilidade e nos dediquemos a alguma reflexão.
Precisamos repensar profundamente a sociedade. Não falo aqui da idade mínima para aposentadoria de tal ou tal categoria ou das alíquotas de imposto de renda desta ou daquela faixa de remuneração. Tais discussões são importantes, é claro, mas antes delas temos que recriar uma linha entre o que é tolerável e o que é intolerável. Antes dos marcos regulatórios, temos que estabelecer os marcos civilizatórios.
Por tudo que nos ameaça, 2020 pode entrar para a história como o pior ano das nossas vidas. O que significa que, depois dele, as coisas devem melhorar. Não se trata de otimismo, mas de instinto de sobrevivência. Se não trocarmos o ódio e a violência pela esperança e pelo amor, já, a humanidade não chega até a esquina. Tá ok?

Rir é o melhor remédios

Há cinco pessoas no avião: Jair Bolsonaro, Boris Johnson, o Papa Francisco, a Angela Merkel e um garoto de 10 anos de idade. O avião vai bater e só há quatro paraquedas.

Bolsonaro diz: "Um é meu. O país precisa de mim e já fui paraquedista". Pega um e salta.

Johnson diz: "O Reino Unido tá uma bagunça, eu sou necessário lá". Pega um e salta.

Angela Merkel diz: "A Alemanha precisa de mim para governa-la". Pega um e salta.

O Papa diz: "Vai lá, garoto. Pega o paraquedas que sobrou. Já vivi minha vida e a tua está só começando".

E o garoto responde: "Não precisa, tem dois paraquedas aqui. O cara que já foi paraquedista saltou com minha mochila de escola".

Fernando Verissimo: como nossas elites são volúveis

Trecho da coluna de  Luis Fernando Verissimo no Globo hoje quinta-feira 26/III - (...) Até pouco tempo era fácil interpretar panelaços, ouvidos sempre em zonas de alto poder aquisitivo ou alta classe média. Não havia dúvida sobre quem estava nas janelas e nas sacadas dos edifícios, batendo em frigideiras, travessas e surdos improvisados, em apoio ao governo que tinha ajudado a eleger com seu barulho. Hoje os panelaços são feitos nos mesmos edifícios, supõe-se que pelas mesmas pessoas, mas acompanhados de gritos de "Fora Bolsonaro!", o que só prova como são volúveis nossas elites, como é difícil fazer sociologia a curto prazo no Brasil e, principalmente, a falta que faz um bom intérprete de panelas para nos orientar.

Nenhuma novidade no fato de um governo perder apoio na prática de governar. Promessas de campanha são como juras de amor, servem para seduzir, não necessariamente para durar. Mas, no caso da desilusão com Bolsonaro & Filhos, a decepção foi maior porque a expectativa dos seus 57 milhões de eleitores — espantosa, conhecendo-se a biografia e a personalidade do candidato — era maior. Digam o que disserem do Bolsonaro & Filhos, eles nunca esconderam o que eram, ou chegaram ao poder disfarçados de outra coisa. O que os 57 milhões elegeram foi isso aí mesmo.

Quanto à mudança dos panelaços de a favor do governo para contra o governo, a causa, entre outras, é o desempenho de Bolsonaro & Filhos na guerra contra a peste que nos assola, como ficou evidente na fala inacreditável da terça-feira. Não sei como estão sendo interpretados os panelaços do Leblon, mas se são sinais de insatisfação também são sinais de conscientização, e nos servem. Portanto, não pergunte por quem soam as panelas do Leblon, elas soam por você.

Bovid - 17, por Bartolomeu Nogueira

Os principais sintomas do Bovid-17 são confusão mental, paranóia, dificuldade em aceitar ideias diferentes das suas e irracionalidade. Os casos mais graves podem apresentar ainda forte desejo por militarismo e discurso hipócrita sobre moralidade religiosa. Estimativas dão conta que 57 milhões de brasileiros já foram afetados. Apesar da doença não ser contagiosa, sua cura é extremamente rara. Para indentificar o enfermo basta criticar o "mito", em poucos segundos o contaminado começará a falar sobre comunismo, socialismo, esquerda, Lula, Dilma e PT. Pessoas com hábito de leitura e bom raciocínio lógico são imunes a peste, quase sempre.

Bartolomeu Nogueira

Para bois e vacas da boiada bolsonarista, por Caio Meneses

Bolsominion vá pra rua
Junto com seu presidente 
Abrace quem tá do lado
Espirre em quem tá na frente
Bote os filhos pra escola
E beije o seu pai doente

Mas não se sinta demente
Siga a recomendação 
E fakenews sobre a China
Desligue a televisão 
Você também foi atleta
Confie no seu corpão 

Diga que Lula é ladrão 
Bote a culpa no PT
Que tá tudo esclarecido 
E só a gente não vê 
Que o mundo tá todo errado
E quem tá certo é você 

Só ligue a sua TV
Quando o mito for falar
Escute o que ele disser
Siga o que ele aconselhar 
Sua TV é o espelho
Lhe ajudando a se olhar

Depois saia pra lanchar 
Melhor que vá ao Madero
7 mil morrer é pouco
O que vale é o dinheiro
7 mil e um morrendo 
Vão lhe chamar de guerreiro

Vá em frente companheiro
Pra sua igreja rezar
Leve a família todinha 
E o dinheiro pra pagar
Depois veja se o pastor
Vai querer lhe abraçar 

Faça um vídeo pra mangar
Da desgraça dos seus pais
Depois poste nos seus grupos
Onde estão os seus iguais
Famílias bem sucedidas 
Pessoas tão geniais

Siga assim, não volte atrás 
Nem se arrependa de nada
Bolsonaro é quem tá certo
De tá fazendo piada
Boi que é boi não abandona 
O outro boi na boiada

Saia com a Chapagne gelada
E a faixa dizendo assim:
O Mito é a nossa cura!
O Brasil tá bom assim!
Faço parte da boiada!
Doença não pega em mim!

Caio Meneses

Jair Kamikaze, por Fernando Brito

Jair Bolsonaro despenca, em voo picado, para espatifar-se.

Ao defender, hoje, em rede de televisão, que a reabertura do comércio e das escolas e fim do 'confinamento' , colocou-se como responsável por todas as desgraças que nos advirão e que são muito mais que os 2 mil infectados hoje.

Jair Bolsonaro, na TV, era um morto-vivo e sua imagem o revelava.

Restam-lhe os loucos e os robôs.

Não há uma voz sadia que o defenda, passou a ser um José Sarney após o Cruzado.

Jair Bolsonaro já não governa a República e já não tem apoio militar para aventurar-se fora de seu exílio planaltino.

Quem conhece história deste pais sabe que ele será levado à renúncia, sem a alternativa de poder que a suceda.

A emergência nacional talvez lhe conceda alguns dias de indulgência, não muitos.

Que Jair Bolsonaro tornou-se incapaz de governar é um fato estabelecido.

Há dias que não o faz e apenas reúne seus auxiliares para humilhá-los num espetáculo de submissão e homens medíocres, porque ninguém provido e dignidade permanece na "rapa" deste governo.

Não cabe mais de discutir sandices como a de restabelecer o funcionamento das escolas e a volta ao trabalho indiscriminada, que são suicídio.

Se o kamikaze do Planalto quer fazê-lo, que se espatife sozinho, levando seus dóceis, inclusive os fardados indignos de seu juramento defender o Brasil.

Tijolaco 

Lições do coronavirus

Ontem o Dr. Nelson Ferrão, um dos médicos dos SUS que está virando dia e noite para tentar salvar vidas, postou um desabafo:

"Uma coisa é certa, o Coronavirus é muito didático. Ele joga duro, mas é papo reto, na lata. E dá lições sem falar, só causa e consequência. Eis algumas delas?

Lição 1) Para o mercado, as crises só servem mesmo pra ganhar mais dinheiro, especulando. É só olhar o preço do álcool gel. Quando a coisa aperta, até os planos de saúde e os hospitais privados mandam os pacientes pro SUS. Ou seja, na hora do pega-pra-capar, só se pode esperar alguma coisa mesmo é do Estado; logo, se você é um desses que quer acabar com o Estado, prepare-se para ser presa fácil das aves de rapina de sempre.

Lição 2) Numa sociedade integrada, nenhuma bolha é segura. Você pode morar em condomínio fechado, ter vigilância monitorada, álcool gel em todas as peças da casa e o escambau, mas se os pobres, que talvez você ache que mereçam ser pobres, não tiverem uma vida digna -- com acesso à saúde, educação, cultura, direitos trabalhistas e tudo mais --, eles levarão o vírus até você.

Pode ficar certo, a empregada que te serve e viaja diariamente naquele ônibus superlotado, o motoboy do i-Food sem direito à licença saúde que te faz entregas, ou aquele operário que vai trabalhar mesmo doente porque não pode ter o salário descontado, pois têm um destes modernos contratos flexíveis de trabalho sem direitos: eles vão furar a sua bolha e expor a sua miséria também. E se prestar atenção, talvez você entenda também que a violência urbana que mata o playboy do asfalto tem origem na mesma desigualdade social de sempre, que você talvez ache natural.

Ou seja, estamos todos no mesmo barco, e mesmo que você esteja no andar de cima, se o barco afundar você vai junto. Só a solidariedade salva: ou todos estão seguros, ou ninguém está.

Lição 3) Pense melhor em quem você elege para cargos executivos. Não adianta eleger Presidente, Governador, Prefeito fazendo arminha ou combatendo mamadeira de piroca e kit gay.
Se os caras eleitos não souberem o que fazer lá onde você os colocou, periga até eles saírem às ruas em plena quarentena pra se aglomerar, cumprimentar fãs, tirar selfies e ajudar a espalhar o vírus, ou então pra dizer para a população que não vai dar nada, que se dermos uma banana pro vírus ele vai embora. Ou até as duas coisas juntas.

Se eles não tiverem competência nem para identificar uma ameaça real, que dirá para montar uma operação de guerra, amarrando todas as pontas necessárias para não deixar isto virar uma tragédia maior, de políticas sanitárias preventivas, passando por um sistema universal integrado e seguro de saúde para acolher os doentes, até medidas de proteção às empresas e trabalhadores que serão afetados pela paralisação de muitas atividades.

Lição 4) Quer goste ou não deles, você novamente será salvo por algum cientista. Você pode até achar bonito combater a ciência, ser negacionista, terraplanista, antivacinista, militarista, dizer que as instituições públicas de ensino e pesquisa são aparelhos comunistas, mas na hora da verdade, se tem alguém que pode salvar a sua vida são os pesquisadores e pesquisadoras de universidades públicas, da Fiocruz, do Instituto Butantã, de todas aquelas instituições que têm sido achincalhadas e precarizadas nos últimos anos.

São eles e elas que estão trabalhando hoje, silenciosamente, ao lado dos principais centros de pesquisa do mundo, para desenvolver medicamentos e vacinas contra este e outros vírus que ainda nos ameaçam. Sem eles, talvez nossa civilização até já tivesse sido dizimada. Então, pense melhor em para quem você rende homenagens. Quando uma ameaça de grandes proporções como essa nos acossar novamente, lembre-se, não são os milicos com fuzis AR-15 nem os pastores que vendem curas fáceis em troca da senha do seu cartão de débito que irão nos tirar desta enrascada, mais uma vez. São os cientistas, e em geral de instituições públicas".