A festa dos bandiqueiros

Vou deixar de ser poeta,
Viver nessa vida assim:
À míngua, passando fome,
Coitado do Miguezim.
Agora vou ser banqueiro,
Pros governos do mundo inteiro
ter pena de mim.

II
Dizia Zé Laurentino,
Coitadinhos que eles são:
Iates, carros de luxo,
Ilhas caras e avião,
Dinheiro no paraíso,
Mas quem paga o prejuízo
Não viu a cor do milhão.

III
Sem saúde e educação,
A maioria fica à míngua:
O cheque todo estourado
Que chega inflamar a íngua,
Tem gente que empenha o nome
E carne o povo só come
No dia em que morde a língua.

IV
A classe média, apertada,
Vê negado o seu desejo:
Já cortou o iogurte,
A sobremesa e o queijo,
O aluguel atrasado
E o moral arrasado
Na intimação do despejo.

V
Não há soldados nas ruas
Nem leitos pra internação,
As escolas desmoronam
No descaso da nação.
Enquanto tudo vai mal,
A Receita Federal
Aumenta a arrecadação.

VI
A Receita mete a mão
Sem pena do paciente:
Chegou de novo a Derrama,
Tá faltando um Tiradentes
Que se meta no alvoroço
E ofereça o pescoço
Para defender a gente.

VII
A classe consumidora
Cada vez mais amofina.
Quanto mais se arrecada,
Mais se acocha a malha fina
E o governo só dando
Bolsa saindo e entrando
Com gosto de vaselina.

VIII
É banco comprando banco,
Lucros chegando a trilhão,
O dinheiro desviado
Na rua da especulação
E o governo aloprado
Vai pegar nosso trocado
Para socorrer barão.

IX
Lula esteve com Obama
(Nossa Senhora me acuda,
Me benzi com vence-tudo,
folha-de-guiné e arruda),
Vão doar nossos trocados,
Pois os banqueiros, coitados,
É que precisam de ajuda.

X
Vão tirar dos pequeninos,
Que estão fora da escola;
Da classe média apertada,
Que a cada dia se esfola;
Dos velhos aposentados,
Dos pobres esfomeados
Que vivem pedindo esmola.

XI
Vão tirar da Segurança,
Que está com pires na mão;
Da Saúde na UTI,
Sofrendo do coração
Em situação precária;
Tiram da reforma agrária
E estimulam a invasão.

XII
Vão tirar de tudo um pouco,
Arroz, farinha e feijão,
Pra salvar o caviar
Do almoço do patrão;
Nós vamos sentir o baque!
Só não vão tirar do PAC
Porque é tempo de eleição.

XIII
Banqueiros são intocáveis,
Homens probos, de respeito.
Quando são investigados,
Senador bate no peito,
Muito jurista afamado
Grita que foi violado
O estado de direito.

XIV
Quando um pobre é investigado,
Sai mandado de prisão,
O juiz libera vinte
Ordens de apreensão
E o bandido é mostrado,
Devidamente algemado,
Em toda a programação.

XV
Mas mostre a cara de um rico,
Mormente se for banqueiro,
Delegado é afastado,
Chamado de bandoleiro,
CPI é instalada,
Jurisprudência firmada,
Vira o maior fuxiqueiro.

XVI
Decidi mudar de nome,
Não me chamo mais Miguel.
Vou botar no meu registro
O prenome Daniel,
Aí o Doutor Gilmar,
Somente pra me agradar,
Vai fazer um escarcéu. 
Miguezim de Princesa

Um comentário:

  1. Estamos vivendo a era da crise. Parece que o mundo entrou em parafuso. As certezas que se tinha antes desmoronaram. Valores antes tão arraigados são substituidos por outros, tidos como mais modernos.Falta uma orientação, um norte, que aponte para um caminho a ser seguido, que nos faça sonhar com um futuro ao invés de temê-lo.
    É paradoxalmente neste estado caótico que residem os sinais que possibilitam a construção do novo. Nunca, na história tantas crises estiveram conjugadas, sinalizando que a velha sociedade está em decomposição. Vivemos uma transição de um modelo que está se tornando obsoleto para um outro, que não sabemos ainda como será.

    ResponderExcluir