Por Carlos Chagas
Juscelino Kubitschek havia assumido pouco antes a presidência da Republica. A capital era no Rio e a União Nacional dos Estudantes iniciou mais uma de suas badernas ideológicas, protestando contra a permanência de Roberto Campos no BNDE, contra o aumento nas passagens dos bondes, contra a derrota do Flamengo para o Madureira e até contra o abandono dos gatos cegos na Praça da República. Claro que estamos exagerando, mas o espírito libertário da juventude explodia, encontrando a maior receptividade no novo governo.
A sede da UNE funcionava na praia do Flamengo, a poucas quadras de distância do Catete, sede do Poder Executivo. Os jovens saíram em passeata, numa gritaria dos diabos. Foram entrando, a ponto de ocuparem os jardins do palácio. JK desceu de seu gabinete para ouvir os protestos. Oradores aos montes, diante dele, desancavam o governo, os Estados Unidos, a Humanidade e quem sabe o Universo.
Um deles era estudante de Direito, Sepúlveda Pertence, hoje ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal. Se ainda agora elogiamos seus dotes oratórios, imagine-se como era o seu arrebatamento verbal, há mais de cinquenta anos.
Quanto o jovem terminou sua saraivada de diatribes, o presidente, ao lado, quis saber o seu nome. E logo depois o desarmou perguntando: “você não é filho do José Pertence, lá de Belo Horizonte? Como você é desaforado, meu filho!”
Daquela singular confraternização saiu a decisão do presidente da República de dialogar com os estudantes, propondo uma visita à UNE para explicar o seu governo, marcada para poucos dias depois.
Na manhã aprazada, Juscelino chegou de carro. A calçada estava coalhada de jovens, que começaram a manifestar-se antes mesmo que ele pisasse o chão. Vaias ensurdecedoras, que o acompanharam no saguão do primeiro andar, na escadaria, e, em especial, no auditório lotado. Posta uma pequena mesa no palco, o presidente não sentou. De pé, recebia os protestos sem demonstrar irritação nem surpresa.
Como tudo na vida passa, as vaias também passaram. JK, então, num amplo gesto, arregaçou a manga do paletó, consultou o relógio de pulso e falou:
“Bendito o país em que os seus estudantes podem vaiar o seu presidente da República durante quatro minutos, na certeza de que nada lhes acontecerá.”
Seguiram-se cinco minutos de aplausos muito mais entusiasmados, depois dos quais, como mascate do desenvolvimento, Juscelino detalhou planos, programas e metas que vinha executando. No final, diante de anteriores críticas da imprensa de que só pensava em obras, descuidando do ser humano, completou:
“Para quem estamos fazendo tudo isso? Para os fenícios?”
Na volta ao palácio do Catete, os estudantes acompanharam o carro presidencial entre gritos de alegria e de entusiasmo.
Essa historinha se conta por quem foi sua testemunha, numa evidência de que quando emoção e razão conseguem acoplar-se, conclui-se que nem tudo está perdido...
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