Incêndio nas paciências


Às vezes, dá uma vontade enorme de desistir, jogar a toalha, deixar a alma esfriar, o espírito entrar em coma voluntario. Em resumo, ser indiferente. Existem princípios, existem satisfações a dar, explicações necessárias para determinados comportamentos e atitudes. Nos últimos tempos, tenho provado sensações inimagináveis há dez, vinte, trinta anos. Desde as tensões causadas pela violência urbana, as irresponsabilidades dos malucos do trânsito às impunidades alarmantes, que passam pela mil firulas jurídicas que conseguem levar de volta às ruas os bandidos descarados. Aqui e ali, minhas mãos crispam, vontades de revide, vingança, até mesmo desejos repentinos de descer ao nível de quem quer me impor a limpeza do pára-brisa do meu carro, numa espécie de exigência de uma recompensa que se sabe, destinada ao consumo das drogas fáceis. Para aceitar os desmandos, seria necessário agir e reagir como se existisse técnica possível de ver tudo ao contrário, como escrever orientando-se pela imagem refletida num espelho. Entendo que para combater as chamas é preciso debelar a fonte que as alimenta. De nada vai servir jogar água nas labaredas. Elas se extinguem por si sós. A praga incontrolável que se alastra pelos lares, escolas, ruas, avenidas, atende pelo nome sofisticado de "crack"! Destroem-se lares e famílias inteiras em nome desse vício. Matam em nome da fome crescente do consumo dessa droga barata e de nada adiantam conselhos, apelos, choros de mães desesperadas, imagens de destruição, vidas ceifadas pelos indiferentismos desses zumbis que perderam a consciência, o respeito, o amor, a dignidade. Depois, as desculpas esfarrapadas para inocentar crianças com atitudes adultas, adultos com comportamentos de verdadeiras bestas. O traficante continua traficando, cada vez mais poderoso, mais desrespeitador de todos os direitos, alimentando, voraz, os dependentes que vão fazendo e cinicamente indiferente aos gritos e ao pavor das famílias de suas vítimas. Eles não querem nem saber. Se os dependentes precisam de ajuda, essa ajuda não pode ser oferecida, ela precisa ser compulsória, voluntária, como a única forma possível de acabar com a fonte de renda, isenta de imposto de renda ou de qualquer compromisso com o verdadeiro social, dos piores criminosos de toda uma sociedade: sua excelência, o traficante. Todos dia, cada um de nós morre um pouco nas grandes cidades. A cada dia as autoridades encontram uma desculpa para as barbaridades e tentam combater esse incêndio diário em nossas paciências e esperanças pura e simplesmente jogando água nas labaredas, enquanto nos transformamos em zumbis acostumados, sem querer, a tanto descaso, a tanta violência. Às vezes dá mesmo uma vontade enorme de desistir ou revidar na base do olho por olho, dente por dente, vida por vida, podem acreditar...
A. CAPIBARIBE NETO

2 comentários:

  1. Briguilino

    Parabéns pelo post. É a dura realidade de nosso mundo de hoje.

    Infelizmente a maioria das pessoas se cansam e caem na tentação da indiferença.

    Banalizam a ética, a honestidade e os princípios morais. Acabam aceitando o comportamento do traficante e principalmente do drogado como coisas naturais sem solução.

    Ou mesmo adotam a solução mais prática - isolar o drogado. As autoridades também não tomam a atitude que deveriam tomar de auxiliar o drogado a se livrar da droga.

    Sem o consumidor não há o traficante. Não basta vez por outra combater o tráfico. É necessário um trabalho sério nas duas pontas.

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  2. Olá, Joel!

    O tráfico, a criminalidade e a violência se institucionalizam e se banalizam diariamente como cenas diárias comuns.
    A gente finge se acostumar aos noticiários que dão conta de vidas que se perderam, dos jovens cujas mães reclamam a sua falta... até o dia - jamais esperado - em que acontece conosco o que imaginávamos só acontecia na TV e nos jornais.
    Na minha cidade - uma pequena cidade - nas últimas duas semanas - três crimes bárbaros ocorreram e cada vez mais nos sentimos absolutamente inseguros.
    A droga vai, paulatinamente, transformado em vítimas toda a sociedade e fazendo deste mundo uma droga sem sentido, na medida que somos levados, pouco a pouco, à perda dos valores éticos, humanos e do espírito de solidadriedade para com aqueles que caíram nos tentáculos dos traficantes - os usuários - e os condenamos abruptamente sem oferecê-los a oportunidade e os meios para saírem do fosso no qual caíram e resgatá-los para o convívio social.
    É uma tarefa inglória, mas nem por isso impossível e necesária.
    Abraços,
    Orlando.

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