ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR
Qualquer pessoa que vá a uma delegacia de polícia no Estado de São Paulo não deverá ter pressa, porque nelas o ambiente se mostra contaminado por situação preocupante: os delegados paulistas recebem o pior salário do Brasil, relativamente aos colegas dos demais Estados.
A expressão “o pior salário do Brasil” pode parecer exagerada, porém reflete a verdade real e angustiante vivida por esses delegados, os únicos profissionais que exercem carreira jurídica acompanhada de permanente risco de vida, representado pelo necessário enfrentamento com os criminosos.
Em vista de vencimentos que são de fato os mais baixos do Brasil, quase todas as delegacias de polícia estão numa espécie de greve branca, chamada de “operação-padrão”, com a realização apenas dos serviços essenciais. Fácil imaginar como isso afeta a vida de cada um de nós, nestes dias angustiantes de insegurança cada vez maior.
Para que se tenha uma ideia do ambiente vivido nas delegacias basta registrar que desde a última posse de novos delegados, por concurso público, seis meses atrás, 10% deles já pediram exoneração, seja porque optaram por outra carreira jurídica, seja porque migraram para trabalhar no mesmo cargo em outros Estados.
Em Brasília, por exemplo, um delegado recebe no início da carreira R$ 13.368,68, o mesmo que os delegados federais, enquanto os colegas de São Paulo, em último lugar na escala de vencimentos, chegam a apenas R$ 5.203.
Acima de São Paulo, nessa relação de vencimentos, estão todos os outros Estados, mesmo os mais carentes, como Piauí (R$ 7.141), Maranhão (R$ 6.653) e Ceará (R$ 7.210). Os delegados paulistas evitam divulgar essa lista por entenderem que serve para diminuí-los e humilhá-los perante os colegas dos outros Estados.
Desde 2008, quando fizeram uma greve de 59 dias (a maior da história da Polícia Civil), houve promessas do governo estadual de melhorias para a classe, não só no que se refere a vencimentos, como também, e principalmente, quanto à estrutura administrativa. Nenhuma delas foi cumprida e o clima interno nas delegacias acabou carregado pelo desânimo.
Em verdade, esse clima se reflete na segurança pública, tendo em vista, sobretudo, a circunstância de que 31% das cidades paulistas não têm sequer um delegado. Realmente, cidades-sede de comarca, com mais de 20 mil habitantes, continuam à espera de um delegado que não chega nunca. Enfim, são apenas 3.200 delegados para cobrir uma área com 42 milhões de habitantes.
Sem a presença do delegado, os inquéritos e processos criminais em curso ficam travados, circunstância que leva muitos deles a se tornarem inúteis pela ocorrência da prescrição, favorecendo os criminosos. Ainda que esteja provada a conduta criminosa, o Estado, pela figura do juiz, fica impedido de aplicar a penalidade cabível por estar prescrita a punibilidade.
Recentemente, notícias publicadas pelo Estado e pelo Jornal da Tarde apontaram a falta de acesso à internet por parte de unidades estratégicas da Polícia Civil, como o Deic e a maioria das unidades do interior. Muitos policiais envolvidos na luta para identificar a autoria dos delitos estão chegando ao ponto de ter de pagar o acesso do próprio bolso para fazer as investigações necessárias. Pode parecer paradoxal, mas, concomitantemente ao marasmo noticiado, fruto do desânimo, também se verifica o empenho motivado pelo orgulho profissional.
Em algumas delegacias, por força da “operação-padrão”, formam-se filas gigantescas e esse é um problema que se agrava, sem ter pela frente a menor esperança de melhora. Se os delegados recebem esses vencimentos inferiores aos dos colegas dos demais Estado, o mesmo ocorre com os escrivães e investigadores, criando condições para que segurança no Estado mais rico do País esteja cada vez mais debilitada.
O Supremo Tribunal Federal já chegou a reconhecer que o trabalho dos delegados de polícia guarda isonomia em relação às outras carreiras jurídicas. Não se tratou de reconhecer a equiparação de vencimentos com as outras carreiras, mas de dispor que a atividade é mesmo jurídica.
Pois bem, se em relação aos delegados dos demais Estados os paulistas se encontram em incômoda situação de inferioridade, quando comparamos os vencimentos com os das demais carreiras jurídicas – juízes, promotores, procuradores, defensores públicos -, vê-se que a disparidade é ainda maior. Até mesmo os cargos administrativos da Justiça Federal e do Trabalho – escreventes, técnicos, secretárias – são remunerados acima do que recebem os delegados paulistas.
Esse é um problema grave, que precisa ser enfrentado e resolvido, porque influi no dia a dia de cada um de nós. A tarefa de conferir segurança aos cidadãos exige técnicas e equipamentos que se aprimoram com o avanço da tecnologia, porém concomitantemente é necessário o trabalho de inteligência, sem o que o combate aos criminosos se torna pouco eficaz.
Nestes dias em que o mundo das drogas está na raiz de praticamente 80% dos crimes praticados, o trabalho de inteligência ganha importância. De nada tem adiantado combater os efeitos danosos das drogas na sociedade se as causas continuam intocadas, tanto pela ausência de política de governo como de exercício de inteligência nas delegacias.
Verificou-se no País expressiva melhora da Polícia Federal no combate à criminalidade a partir do momento em que os vencimentos dos delegados federais foram equiparados aos dos juízes. Ainda que essa polícia se venha convertendo, muitas vezes, numa espécie de polícia do espetáculo, pela busca incessante de notoriedade e dos holofotes, é forçoso reconhecer que cresceu em competência. Um crescimento claramente vinculado aos melhores vencimentos.
APOSENTADO DO TJ-SP. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM
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