Carta do futuro para Maria

Cara Maria, sempre tive um compromisso com a vida e com viver. Tenho consciência de cada uma das coisas que fiz e que deixei de fazer. Nem sempre fui assim, tão ousado, tão atrevido. Tive meus momentos de medo e até fui covarde, aqui e ali, mas sobrevivi. Sou comum e mais mortal que nunca porque o tempo não me esqueceu um só momento. Para voltar a te escrever, Maria, viajei depressa até onde está, inapelavelmente, o futuro. E de lá, olhei para trás, vi o que plantei, o que semeei e o pouco que amealhei. Já disse mil vezes e mil vezes repetiria, Maria, de bem pouco eu me arrependo. Se fiz chorar, também chorei. Se fiz sofrer, Maria, também sofri, com a diferença que tentei me mostrar mais forte, indiferente, superior. Superior que nada, Maria. Só não escutaram meus soluços porque os abafei com um travesseiro que me ajudou na dor, no desespero. Estou longe, Maria. Muito longe. Escrevo-te do futuro, mas não sei quanto desse futuro, não sei onde estou ou se já não faço mais parte da mesa, das taças, dos bons vinhos. Não pedi para viajar assim. Aliás, ninguém pede. De repente, somos pegos de surpresa e quando menos esperamos fomos obrigados a partir. Olho para trás, Maria, e sinto uma felicidade enorme porque você fez parte da minha história, da minha vida, dos meus melhores momentos. Poetas, românticos são assim mesmo. Aproveitam-se das facilidades das viagens nas asas da imaginação e podem tudo, como os deuses. Daqui, de onde estou, posso ver teu rosto criança, quase um anjo, frágil como uma boneca de fina louça que cuidei de carregar nos braços aventureiros, nos braços fortes do homem destemido que nunca deixei de ser. Escrevo-te do futuro, Maria, vai ver que já é depois de amanhã ou muito além, onde talvez nem tenha sonhado chegar um dia, mas é daqui que estabeleci que queria estar, olhar para trás e escrever para ti. E sinto saudades de mim, sinto saudades de todas as coisas que plantei e humildemente, Maria, curvo-me ante as minhas culpas para pedir perdão onde for necessário. Com todo amor do sempre teu.
A. CAPIBARIBE NETO

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