Crônica - O derradeiro abraço

Faz muito, o cantor italiano Sergio Endrigo, numa entrevista, disse que "la felicità è um pò stupida". Refleti sobre a frase para entender esse contexto. Pode até não ter sido a intenção do cantor romântico, mas cheguei à conclusão de que a felicidade embriaga, inibe a coerência, o bom senso da maioria e, consequentemente, a "estupidez" pode ser entendida como "fora de si". As pessoas envolvidas num relacionamento cheio de paixão e muito amor dificilmente se lembram do momento exato em que todas essas emoções começaram, mas seguramente nunca vão esquecer do dia em que tudo chegou ao fim, principalmente quando a separação não é consensual e um dos dois é levado a desabafar abraçado a um travesseiro com um perfume que passa a ser lembrado como espaço vazio, saudade e muita dor. O ser humano está preparado para ser feliz, para surpresas boas, para "tudo de bom", mas sucumbe rápido às investidas dos revezes decorrentes de uma perda inesperada. Quase ninguém se prapara para a dor grande de uma despedida.

Um dia, debruçado na mesma janela anônima que cuidava de mim, com a visão privilegiada de estrelas das quais nunca esqueço, acalentando uma insônia cheia de fantasmas, o homenzinho verde sentou-se ao meu lado e disse, quase num sussurro: "Uma dor está chegando depressa!" Depois, entrou na sua pequena nave e sumiu na escuridão. Vi o sol nascer, fechei as cortinas, coloquei um lençol sobre os olhos e procurei fugir para longe de mim. Ninguém escapa dos fantasmas que arrastam suas correntes pelos corredores, pelas paredes, por todos os lugares onde penduramos nossas melhores lembranças, nossas histórias mais queridas. Contive minha revolta, abafei os gritos da dor que me agoniava o peito e deixei que a respiração se acalmasse. Adormeci. O telefone me acordou: "Precisamos conversar...!" - me disse com uma voz séria. Eu já sabia do que se tratava. Depois das festas dos primeiros encontros, do ardor dos primeiros desejos, das fomes saciadas depois das primeiras camas, com o passar do tempo tudo adormece numa rotina que se avoluma silenciosa. Caí na asneira de fazer cobranças e na estupidez de ser sincero. Fui ao encontro dela como quem faz um caminho de volta e fui me desfazendo, pelas ruas e avenidas indiferentes, dos retalhos de cada um dos bons momentos que vivemos juntos. Nas últimas esquinas, até me encontrar com ela, joguei pela janela as promessas de "para sempre tua" e muitos "eu te amo". "Veja bem..." - ela começou sem levantar os olhos, sentada à mesma mesa do barzinho onde brindamos com bons vinhos às coisas mais simples. Não sei de onde tirei tanta força, tanto respeito por ela e tanta dignidade nas minhas feridas para levantá-la da cadeira carinhosamente. Fiz das minhas mãos uma moldura para o rosto dela e lhe dei um abraço apertado. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, sorri para ela com um sorriso amarelo, disse "adeus" e fui embora sem esperar pelas explicações da despedida. Um abraço é a melhor forma de se despedir de um grande amor.


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