O pêndulo

Luiz Inácio Lula da Silva terá sido um presidente singular na História do Brasil. Principalmente pelo agudo simbolismo da projeção nativa do “american dream”: depois de Lula, ninguém mais poderá dizer que o Brasil não tem mobilidade social, ou que aqui é uma sociedade de castas. Para um país de rosto e alma picados pela varíola dos séculos de escravidão, é um salto gigantesco adiante.

Vamos falar das coisas como são. Depois de Lula ter chegado lá e de ter governado bem, de ter liderado o país numa era de prosperidade e mais justiça social, todo branco bem nascido com alguma massa encefálica e algum caráter deverá fazer sua análise particular de consciência a respeito de como olhava antes para o trabalhador braçal com que cruzava no dia a dia. E observar como olha agora. Talvez seja um belo termômetro qualitativo das mudanças profundas em marcha no país.

O Brasil deve essa a Lula. O político, como o artista, precisa ser avaliado pela obra.

É provável que Lula passe a ser visto mais adiante como o consolidador de uma certa densidade de protagonismo popular nos nossos hábitos políticos. Se for para o bem, nada mau. É o bastante para preencher uma biografia.

Esse é o lado bom. E onde está o problema? No detalhe de que Lula, para cumprir a missão (ou saciar o desejo), precisou, ou preferiu, ou simplesmente quis reproduzir os mecanismos clássicos de exercício do poder entre nós. Os motivos para isso deverão ser analiados pelos historiadores ou cientistas políticos e sociais. Ou pelos estudiosos da alma.

Que façam bom uso dos seus salários nas universidades, ou de suas bolsas de pós-graduação. Como aqui o ofício é jornalismo, posso limitar-me a constatar e especular.

Não é um fenômeno original, mais ainda nas terras fatiadas pelos reis espanhois e portugueses no Tratado de Trodesilhas. O líder popular acaba caindo no canto das sereias que o convencem da beleza e da delícia de concentrar poder, de fundir-se a ele. Justiça se faça, talvez a exceção seja Evo Morales, que, independente das questiúnculas sobre a "pureza” de suas origens indígenas, parece ser bem mais índio do que “criollo” quando o assunto é política.

Lula viu longe, e chegou longe, mas talvez não o suficiente. Lula não é um Robert Mugabe, mas não leva jeito de chegar ao patamar de um Nelson Mandela. A culpa pode até ser das circunstâncias, como alegaria Ortega y Gasset, mas aí, de novo, o que vale não é a explicação sobre a obra, é a obra em si.

Notei outro dia que com o passar do tempo foram desaparecendo do discurso de Lula todos os antigamente citados como responsáveis pelas degraças do Brasil. Banqueiros, latifundiários, oligarcas, sindicalistas pelegos. Foi absorvendo e "anistiando" um a um sob o guarda-chuva legitimador. Sobrou como merecedora de críticas só uma “elite” em boa medida abstrata, cujo único traço comum é a resistência ao líder.

A História não se escreve como o "poderia ter sido”. Mas com seu cacife político e seu peso simbólico Lula está a desperdiçar a mais visível oportunidade que o Brasil já teve de fazer uma consolidação institucional democrática a partir do ângulo da busca de justiça social. Da libertação verdadeira do indivíduo, inclusive em relação ao Estado.

Foi no que Mandela investiu tudo que tinha acumulado politicamente ao longo da vida na oposição e na longa cadeia, e nem assim há a garantia de que sua herança fique intacta nesse aspecto. O que será o CNA (Congresso Nacional Africano) depois da morte de Mandela? Quem sabe?
Mas ele pelo menos tentou.

Vício
A crer nas pesquisas, e não há motivo para não crer, por enquanto não há influência decisiva das eleição nacional nas estaduais. Estas continuam a der desenhadas basicamente por razões estaduais. Pode mudar ainda? Veremos, mas a resistência dos vetores locais é a de praxe.
Assim como na nacional, as eleições estaduais parecem até agora obedecer à lógica da amplitude das alianças políticas. E depois dizem que no Brasil a política é inorgânica. Confunde-se pluralismo com inorganicidade.

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