A hipocrisia do aborto

Teoria e prática de Mônica Serra
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Nesta campanha, o casal Mônica e José Serra rompeu a fronteira entre o público e o privado ao dar conotação eleitoreira ao tema do aborto. 
Quando retirou o procedimento da categoria de saúde pública ou de foro íntimo, o casal abriu um flanco na própria privacidade. 
Serra vinha condenando de forma sistemática a descriminalização ao aborto. 
Mônica, por sua vez, havia sido ainda mais incisiva, intrometendo-se no assunto durante uma carreata com o marido em Duque de Caxias (RJ): 
“Ela (Dilma) é a favor de matar as criancinhas”, disse a um ambulante que apoiava a candidata do PT. 
Não demorou para que o relato de um aborto feito por Mônica quando Serra vivia exilado no Chile virasse assunto público. 
O caso foi trazido à tona pela bailarina e coreógrafa Sheila Canevacci Ribeiro, 38 anos, ex-aluna de Mônica no curso de dança da Universidade de Campinas. 
Ao lado do marido, o antropólogo italiano Massimo Canevacci, Sheila assistia em sua casa a um debate entre os presidenciáveis quando Dilma Rousseff questionou Serra sobre ataques feito por Mônica. 
Surpreendida, Sheila se lembrou em detalhes de uma aula de psicologia ministrada em 1992 por Mônica para a sua turma na Unicamp. 
Ao discorrer sobre como os traumas da vida alteram os movimentos do corpo e se refletem no cotidiano, Mônica contara ao pequeno grupo de alunas do curso de dança que ficara marcada por um aborto que precisou fazer na época da ditadura, devido às condições políticas adversas em que vivia. 
“Fiquei assustada com o duplo discurso de minha professora”, afirma Sheila, que na manhã seguinte colocou uma reflexão sobre o assunto em sua página na rede social Facebook.
A coreógrafa acreditava estar compartilhando a experiência com um grupo de amigos, mas o texto se espalhou, ganhou as páginas dos jornais e até uma nota oficial da campanha de Serra negando o aborto. 
Já Mônica e Serra não fizeram qualquer desmentido sobre o caso. 
Na sequência, Sheila recebeu milhares de apoios, mas também críticas, incluindo a de ter traído sua antiga professora. 
“Foi ela quem traiu minha confiança como aluna e mulher”, diz a coreógrafa. 
“Ela não é a mulher do padeiro, do dentista. Ela é a mulher de um candidato a presidente da República. O que ela fala e faz conta”.
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As atitudes das personalidades públicas contam tanto que chegam a provocar temor. 
Colega de classe de Sheila, a professora de dança C.N.X., 36 anos, também se lembra do depoimento de Mônica na universidade, mas pede para não ser identificada. 
Recém-aprovada em concurso de uma instituição federal, ela acredita que, se eleito presidente, Serra pode prejudicar sua carreira. 
Quanto à aula de 1992, C.N.X. conta que o grupo de alunas não chegava a dez e estava sentado em círculo quando Mônica comentou que um dos fatores que tinham alterado sua “corporalidade” foi a vivência na ditadura e a necessidade de fazer o aborto. 
“Ela queria ter o filho, não queria ter tirado”, diz a professora de dança. 
“E eu fiquei muito chocada com o depoimento, pois na época era muito bobinha”, completa C.N.X., que passara no vestibular com apenas 16 anos e pela primeira vez vivia longe da família.
Na opinião da professora de dança, nada impede que, de 1992 para cá, Mônica tenha mudado de ideia: 
“Mas ela não pode ser hipócrita. Sabe que o aborto é uma experiência traumática”
Trata-se também de um tabu no País, embora 5,3 milhões de brasileiras entre 18 e 39 anos tenham feito pelo menos um aborto, de acordo com o Ministério da Saúde. 
Mais da metade das brasileiras que se submete ao procedimento acaba internada devido a complicações da intervenção. 
Como se não bastasse, pode ser condenada a pena de um a três anos de detenção, como prevê o Código Penal de 1940, exceto para os casos de estupro ou de risco de morte da mãe. 
A mudança dessa lei – ISTOÉ defende a descriminalização do aborto – pode ser o primeiro passo para acabar com a hipocrisia e transformar a interrupção da gravidez em uma questão de saúde pública e de foro íntimo.

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