Com atraso de dez anos, chega ao Brasil o livro "Sabores perigosos: a história das especiarias", que conta como o interesse por ervas, temperos, condimentos e remédios exóticos definiu as rotas comerciais e deu início à globalização
CELSO MASSON
TEMPEROS
Uma pintura indiana de 1840 (acima) mostra um mercado de especiarias. Ervas podem ser condimento e remédio
Uma pintura indiana de 1840 (acima) mostra um mercado de especiarias. Ervas podem ser condimento e remédio
Dez anos depois de lançado pela editora do Museu Britânico, sai no Brasil Sabores perigosos: a história das especiarias, de Andrew Dalby (Editora Senac São Paulo, tradução de Lenita Rinoli Esteves, 240 páginas, R$ 55). Linguista de formação, Dalby dirigiu por 15 anos a biblioteca da Universidade de Cambridge. Mas foi pesquisando a história da alimentação humana que ele se tornou um intelectual reconhecido, obtendo prêmios por suas obras sobre gastronomia na Antiguidade.
Para escrever Sabores perigosos, ele pesquisou as especiarias de forma obstinada. Sua meta: corrigir algumas das noções equivocadas sobre o modo como o interesse por ervas, temperos, condimentos e remédios exóticos definiu as rotas comerciais e deu início à globalização. “Vários historiadores britânicos do século XX me disseram que, em épocas medievais, os temperos serviam para ‘mascarar o gosto da comida podre’”, escreveu Dalby. Ele diz que a informação é falsa.
Por serem produtos extremamente caros naquele período, as especiarias só poderiam ser compradas pelos ricos, que tinham acesso a alimentos frescos e de qualidade. Outro mito derrubado por Dalby é que o empreendimento renascentista das grandes navegações, motivado pelo comércio das especiarias, se deveu ao papel desses produtos na gastronomia. É uma meia verdade. Plantas aromáticas, afirma, têm servido aos humanos como “aperitivos, digestivos, antissépticos, remédios, tônicos e afrodisíacos”. Tais propriedades, muito mais que temperar a comida, teriam justificado o investimento na criação de rotas terrestres e marítimas.
Um caso contado por Dalby para comprovar suas teorias é o dos austronésios, uma civilização que começou a se espalhar a partir da China há cerca de 6 mil anos. Eles navegaram para o Ocidente até Madagascar e, do lado oposto, até a Ilha de Páscoa, ocupando uma região que cobre 8.000 quilômetros de norte a sul e 10.500 quilômetros de leste a oeste. Na bagagem, segundo Dalby, os austronésios levaram mudas de gengibre, talvez a mais antiga das especiarias. Isso explica como a planta se tornou nativa em uma área tão vasta (o que seria biologicamente impossível sem a intervenção humana). E qual a razão de os austronésios carregarem o gengibre em seus barcos rudimentares, em que não havia espaço para luxos? Eles o consideravam vital para suas viagens. Muito mais que um condimento, o gengibre era então um remédio.
Ao rever mitos criados em torno das especiarias, Dalby recupera a origem de três condimentos muito importantes na Índia: o coentro, o cominho e o açafrão. Essas espécies são nativas do Mediterrâneo. Elas podem ter sido transplantadas pelos persas, por Alexandre, o Grande ou pelo imperador budista Asoka, que governou o norte da Índia no século III a.C.
Mais que corrigir noções equivocadas de história, o livro é um banquete para quem gosta de comida: ele disseca cerca de 60 especiarias contando sua origem, seus usos e suas propriedades. Traz ainda gravuras que ilustram aspectos da fisiologia das plantas e da vida cotidiana em diferentes regiões. Por fim, tenta decifrar o efeito de iguarias como a pimenta ou o chocolate naqueles que os provaram com desconfiança pela primeira vez, antes de se deixar seduzir por seus sabores e aromas. “Que nosso paladar e olfato continuem a ser estimulados de forma variável, imprevisível e exótica”, diz Dalby.
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