Receita

...não existe uma certa. mas existem muitas erradas

O italiano Rosario Scarpato é presidente honorário do Gruppo Virtuale Cuochi Italiani, Itchefs-gvci, entidade dedicada a preservar a autenticidade de receitas italianas. Trata-se de uma rede que integra 1.200 chefs e profissionais de cozinha em 70 países, fundada em 2000. Produtor de tevê, jornalista e escritor especializado em gastronomia, ele é um dos fundadores da entidade e viaja o mundo numa cruzada pela autenticidade da cozinha italiana. Por e-mail ele conversou com Paladar.
A marca da cozinha da Itália unificada é a diversidade?
A diversidade é uma das principais características da Itália unificada, não só na gastronomia. As variações de uma mesma receita não devem causar surpresas – elas fazem parte da tradição. É comum também que os pratos mudem de nome, conforme a região. É o caso das frituras de carnaval, que são chamadas de chiacchiere, crostoli, galani, frappe, dependendo do lugar.
Poucos quilômetros produzem diferenças enormes em algumas receitas…

Isso é muito comum. Acontece, por exemplo, com o pesto genovese. Há um consórcio protegendo seu nome e uma receita reconhecida como autêntica. Mas se você circular pela Ligúria vai encontrar muitas variações de pesto, começando pelo pecorino: alguns usam o romano, outros, o fiore sardo, ou o siciliano. Todos são aceitos pelo Conzorcio del Pesto Genovese. A massa também varia. Em Gênova, usa-se o trenette; a poucos quilômetros dali, em Recco, o pesto é servido com trofiette, uma espécie de nhoque feito de farinha de trigo. E há ainda versões que incluem batata em fatias e feijões verdes, cozidos da mesma maneira que a pasta.

Se as variações fazem parte da tradição, como se consegue reconhecer a receita original?
Como regra básica, quase não há prato tradicional italiano com uma única versão original. Todos têm variações, ainda que pequenas. Por exemplo, o tagliatelle al ragù bolognese: ele é possivelmente o prato italiano mais popular em todo o mundo e há pelo menos duas ou três receitas corretas, uma inclui só carne bovina, enquanto outra leva bovina e suína, e a terceira adiciona leite em certa etapa da preparação e inclui molho de tomate em vez de pasta de tomate. Então não existe uma maneira certa. Apesar disso, é fácil dizer quando o prato está errado.
E quais “bolonhesas” errados você já provou?
O do Reino Unido. De acordo com as estatísticas, os britânicos comem mais de 670 milhões de porções de espaguete à bolonhesa por ano. Mas o que eles comem não tem nada a ver com as tradições culinárias italianas. Para começar, não se come espaguete com bolonhesa. Espaguete é uma massa seca, original do sul da Itália. Em Bolonha a tradição é a pasta fresca. Errado também é servir o prato com pão de alho, como se usa nos Estados Unidos, ou em sanduíches, como já vi em Tóquio. Erradas são as versões com anchova, ervilha, vegetais e todos os tipos de queijo, e aquela que leva caldo de carne em pasta industrializado.
Quais outros erros chamaram sua atenção nas viagens?
A salada caprese de Jamie Oliver. Não sabemos se a receita original recomenda rúcula junto com tomates, manjericão, azeite. Mas com certeza sabemos que a versão preparada – e publicada – por Jamie Oliver está errada, já que leva cebolas e vinagre de ervas. A imprensa tem grande responsabilidade em espalhar versões erradas de pratos italianos em todo o mundo…
Qual o prato italiano mais mal preparado fora da Itália?
O espaguete alla carbonara é o prato italiano mais “falsificado” em todo o mundo. Há receitas com creme – repudiado pelos puristas. Sem mencionar as variações que levam canela, salsinha e até morango, ervas, limão.
O Itchefs-gvci é contra a criatividade?
Não, de maneira alguma. Achamos que os chefs têm direito de fazer o que querem. Mas não devem usar o nome de pratos italianos tradicionais quando estes não forem preparados da maneira autêntica.

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