Fim de novela

O destino às vezes tem uma forma estranha de se manifestar. Ora são aqueles encontros a que a gente comparece sem confirmação de presença, porque é uma imposição compulsória, ora porque alivia tensões, acabando expectativas ou simplesmente mandando recados recheados de dúvidas, que podem prolongar uma história ou um enredo que se lhe pareça interessante. Ontem esse destino se manifestou.


Já estava decidido dentro de mim transformar-lhe numa lembrança adormecida, enterrada bem fundo no coração e nunca mais acordá-la, por conta da sua estranha forma de querer bem, de amar, de demonstrar gostar de alguém, quando o telefone tocou e era você. 

Cheguei a achar estranho o que bem poderia ter sido uma coisa comum entre amigos que se curtem, mas não foi. Foi como se esse destino quisesse dar uma sobrevida a um sentimento que bem sabe ser puro, ser verdadeiro, ser profundo. Foi bom ter ido ao seu encontro e descobrir que aquela mulher, tantas vezes recebida com alegria na festa única de abraços parecidos, estava distante. 

Tê-la ali, tão ao alcance das mãos, nunca pareceu tão distante. Se um dia cheguei a sentir vontades quase incontidas de tomar seu rosto entre minhas mãos, bebê-lo em beijos intermináveis, sentir as batidas do seu coração quase a sair pelo decote generoso e farto, amoldando suas formas aos meus contornos e deixar que a linguagem de desejos coincidentes falasse por si, um simples aperto de mãos me pareceu o bastante. A descoberta surpreendeu-me e ao mesmo tempo entristeceu-me. A viagem do céu ao inferno é rápida, a paisagem é uma desolação só, mas o baque é único e a dor, se é que dá tempo a gente sentir, é única, rápida e a gente assimila sem nem ao menos sentir a profundidade. 

De repente, a mulher maravilhosa, única e especial, bem ali, bem diante de mim, havia ido embora na sua essência e eu me sentia diante de uma sombra sem muita definição, um arremedo de uma silhueta bem recortada e consistente. Se seus braços um dia foram espécie de porto seguro para a fragilidade da minha nau de carências, em meio às tormentas de solidão, agora podiam se cruzar, se fechar em defesa fosse do que fosse, porque as experiências de tantas borrascas me ensinaram que a calma aparente do olho dos furacões serve para aliviar o medo e refazer forças para novas lutas, novas batalhas e com elas aprendi a expandir meus horizontes sem restringir as expectativas de sobrevivência, sem grandes receios de lutar para sair dali com vida. 

Minha coragem agora é bem maior e a sua indiferença foi um santo remédio, uma vacina forte. As provações dessas experiências circunstantes me ensinaram a não esperar por milagres. Já disse e vou repetir mil vezes se mil vezes ainda for preciso: tudo na vida tem um começo, um meio e um fim. Se amanheço, posso começar; e se começo, tenho um dia inteiro para viver com intensidade as emoções de um momento que se me apresente como especial. 

Depois, entardeço, mas não deixo que esmoreçam as esperanças no advento do dia seguinte, e quando anoiteço, durmo com meus sonhos, coleciono as lembranças mais caras; e se no dia seguinte tudo foi devorado pelo passado voraz, alimento-me de saudades que ninguém me toma e de lembranças que ninguém apaga.

Posso continuar gostando de você pelo que você foi e pelo que representou enquanto representava o papel de mulher apaixonada ou deslumbrada com as cores cúmplices das noites coniventes. A pessoa em que você se transformou, indo e vindo, como se nada tivesse acontecido, nem mesmo sei quem é e por ela não nutro nenhum sentimento, seja ele qual for. 

Para mim, aquele aperto de mão foi como o final de uma novela em que todos escapam, em que nada faz sentido, sem bandidos ou mocinhos, mas por detrás dele, existe a recordação de um abraço especial e um beijo único, mas aí já é outra história. Fim da novela; agora, só as letrinhas...

A. CAPIBARIBE NETO