As lições nossas de cada dia

A vida de quem já viveu muito carrega lições e cobra aprendizado compulsório. Por mais turrão, desligado ou irresponsável que alguém seja, as lições estão sempre ali, feito sentinelas, com a farda da experiência e a experiência tem uma cara antipática e ao mesmo tempo cheia de presunção. Com o tempo, a gente se acostuma às dores, às saudades e às lembranças sem jeito. O que passou, passou, ficou sem jeito porque o tempo nunca dá uma segunda chance. As lições que aprendemos ou nos são impostas fazem parte do cotidiano. Pois bem... aprendi a conviver com algumas lembranças transformadas em saudades que preencheram vazios incômodos. Quando quis me arrepender, era tarde demais, não havia como consertar porque o estrago já estava feito, e aí, o caminho de volta me deixou numa encruzilhada: para a direita, o bom senso dizendo que o melhor a fazer era virar a página, deixar pra lá, esquecer ou fazer de conta que não doía mais; para a esquerda, a teimosia, a insistência em acreditar que pedir perdão consertaria tudo. Conserta nada. As coisas do coração são estranhas, complicadas e as suas leis muito severas, por mais amor que exista. Quando o jarro quebra, não tem jeito. Guardo comigo um jarro quebrado. Era de estimação. Ele não representa a história de um amor, não está ligado a nenhum nome, a nenhuma situação. Se não me falha a memória, foi Francisca, uma mocinha de humilde cor morena e olhos amendoados que o quebrou numa das suas desastradas faxinas, mas tenho-o guardado porque é uma fina porcelana japonesa. Quem me, visita e é atento aos detalhes, acha-o bonito e nem nota que está quebrado. Apenas digo que o comprei numa loja de produtos japoneses que visitei nos Estados Unidos, mas eu sei que está quebrado, pronto. Deixo-o fora do alcance do mais curioso porque não quero ver o tamanho da ferida. O jarro está lá. É um jarro quebrado. Não tem jeito, contudo não me atrevo a jogá-lo fora. Por mais que um amor tenha acabado, que uma paixão tenha chegado ao fim, por mais força que a gente faça, nunca é possível esquecer que houve uma história, que existiram abraços e todas aquelas promessas de para sempre. Quanto mais a gente vive, quanto mais aprendemos lições, mesmo aquelas penduradas nos ditados populares desbotados, mais vemos que a vida é assim mesmo, feita de coisas simples, como uma saudade presa a um nome, a um perfume distante ou a um vaso quebrado. Maria, por exemplo... Maria foi minha inspiração por muito tempo e quando nos despedimos, ela foi logo cuidar da vida, procurar outros caminhos, enveredou por outros atalhos. Tempos depois, descobri que por pior que eu tivesse sido, ainda assim eu fui seu melhor chegar, estar, ficar, ser e muitos outros verbos que conjugamos com a cumplicidade dos amantes. Não, não é presunção, Maria nunca conseguiu ser feliz outra vez, nunca mais foi a Maria de sorriso farto e largo, nunca mais riu das sadias molecagens que eu fazia só para ver o desenho de sua boca como moldura perfeita e perfumada para seus dentes alvos e bem cuidados. Maria nunca mais sorriu. Riu aqui e ali, mas nunca mais gargalhou como fazia quando estava comigo. A vida me ensinou que aquilo que já aconteceu não pode mais deixar de ter sido e que não podemos adiar a própria vida e muito menos a felicidade. E foi o que fiz. Maria, não; insistiu no aprendizado modesto de sua escola de cidade distante e assim ficou até sumir de dentro dos meus beijos, dos meus carinhos e de outros braços, dentro dos quais se atreveu na busca inútil do seu recomeçar cheio de exigências. Cada dia na vida de uma pessoa é uma existência em miniatura. Cada dia nos ensina uma lição, e quer queiramos ou não, essas lições estão bem diante dos nossos olhos e quando cometemos um erro mais pesado, alguma coisa dentro de nós parece dizer "eu não disse?" A vida me ensinou que nunca mais eu deveria procurar Maria outra vez para reviver uma história que teve um começo, um meio e teve seu fim, como tudo na vida, mas nada me impede de, vez por outra, olhar para o nada ou me fixar num ponto imaginário qualquer e suspirar sozinho o nome dela: Maria! 
A. Capibaribe Neto

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