Caro Laelso,
"para chamar alguém de amigo, é preciso ter comido um saco de sal na companhia dele..." porque demanda tempo. É preciso de tempo para conhecer a sinceridade, o caráter e descobrir sua bondade e desprendimento. Esta crônica, meu amigo, eu dedico às quase 350 crianças do seu Núcleo Monteiro Lobato, da sua Sorocaba, cidade exemplo para o resto do Brasil. Até parece que o conheço de há muito, muito além do tempo que se leva para comer um saco de sal. Você não precisa dos elogios oportunos ou do puxassaquismo dos interesseiros de plantão. Seus quase oitenta anos bem vividos o autorizam a dizer que sua missão está cumprida. Que nada, Laelso! Todo dia você marca um novo encontro para uma nova missão. Os "29 de Dubai"são unânimes quando lhe apontam como exemplo e seus amigos mais chegados o veem como uma lição viva, cheia das cores de uma vida de realizações e páginas que nunca desbotam. Na realidade, esta crônica é para aquelas crianças que você reuniu para nos receber, cantar para nós e, ao final da visita, nos ofereceram seus desenhos que mais parecem esboços dos homens de bem que serão daqui a pouco, quando saírem para enfrentar os desafios e ajudar a mudar o Brasil que fica do lado de fora da sua cidade bonita. Aquelas crianças não se deram conta, mas enquanto cantavam para nós todos, dando-nos boas - vindas, me transportaram de volta para meu passado cheio de carências e de falta de oportunidades e me fizeram deixar cair discretamente sadias lágrimas de felicidade por verem-nas bem encaminhadas e com seus corações puros a cantar canções da nossa "América Brasil". Foi preciso ir a Dubai, Índia, e depois a Sorocaba para ter certeza de que, mesmo com a minha idade, ainda é possível encontrar exemplos nos quais me inspirar para coisas melhores pelos meus semelhantes. Muitos de nós são felizes e não sabem, não se dão conta ou só contam dinheiro, sem cuidar de outros valores ou que vivem a trocar a paz de espírito e a calma de seus corações pelas preocupações estafantes e estressantes de disputas por coisa nenhuma ou pelo pouco mais ou nada. Suas 350 crianças, ali, diante de todos nós, visitantes, sensibilizados e emocionados, eram o Brasil com o qual todos os homens de bem sonham ou deveriam sonhar. Suas crianças deveriam cantar para os oportunos de Brasília, para os desonestos que envergonham o nosso país. Cantar para eles uma canção de ninar ou aquela em que imitaram passarinhos, para tentar tocar seus corações de pedra, suas almas sem valor, seus espíritos de porco. Senti vontade de pedir a palavra para dizer: "Crianças, não são vocês que precisam confiar em nós. Nós é que devemos depositar as nossas derradeiras confianças em vocês, porque nos olhos de cada um eu senti o resto de esperança no futuro dessa imensa nação..." Quando aquelas lágrimas quase me traíram pelo soluço que contive, Laelso, havia uma felicidade enorme e uma sensação de plenitude por haver encontrado um homem capaz de continuar sonhando com o futuro de tantas crianças, assim, como se fossem seus filhos. Aos seus 350 filhos, ao seu trabalho, ao seu desprendimento, aos seus sonhos a minha homenagem desde a minha Fortaleza, que também tem a dita de encontrar algumas pessoas igualmente capazes de pensar no futuro de crianças como as suas. Não comemos um saco de sal juntos, meu bom Laelso, mas sinto uma sensação forte de que já nos conhecíamos há séculos.
A. Capibaribe Neto
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