A eleição peruana que deu a vitória a Ollanta Humala é, em vários sentidos, paradigmática. Primeiro porque demonstra como a direita latino-americana é uma espécie de movimento que sempre volta ao mesmo lugar.
Contra uma candidatura que julgam desfavorável aos “mercados” e disposta a questionar um modelo econômico marcado por crescimento com concentração de renda e desigualdade, a velha tríade empresários/igreja/setores hegemônicos da mídia se dispôs a sustentar qualquer um.
No caso peruano, “qualquer um” era Keiko Fujimori, a representante orgânica de uma das épocas mais sombrias da história recente da América Latina. Filha de um ex-presidente preso por violações brutais contra os direitos humanos, golpe de estado e ações como a esterilização forçada de cerca de 250 mil mulheres indígenas pobres.
Essa mesma tríade nunca teve problemas em apoiar ditadores, caudilhos, desde que sentisse que as peças do poder estavam mudando de lugar. Isto a ponto de um dos raros verdadeiros liberais do continente, o escritor Mario Vargas Llosa, escandalizar-se com a ausência de cerimônia no apoio de outros ditos liberais a um projeto político que significava o coroamento da mistura entre autoritarismo político e ações econômicas liberais impostas com a força de choques elétricos. Mistura tipicamente latino-americana, já louvada por Milton Friedman em carta de elogio a Pinochet.
Por outro lado, a vitória de Humala demonstra a força de exportação do lulismo e os limites do chavismo como referência para a esquerda latino-americana. Enquanto vestiu o figurino chavista, Humala perdeu.
Quando usou a receituário do lulismo, ganhou.
De fato, Lula consolidou a imagem de uma certa “esquerda bipolar” que visa usar o Estado para dar conta dos interesses do setor financeiro e do empresariado, enquanto cria amplos sistemas de assistência social capazes de minorar a pobreza.
Uma esquerda que se esmera em jogar em dois tabuleiros na esperança de diminuir os conflitos políticos, ao contrário do que ocorreu na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Foi esta a via que escolheram Mauricio Funes (El Salvador), Fernando Lugo (Paraguai) e José Mujica (Uruguai): figuras de um tipo de Internacional Lulista em formação.
Tal lógica bipolar tem limites, já que a modificação dos processos estruturais de produção da desigualdade econômica (como baixos impostos para ricos, ausência de mecanismo de limitação do consumo conspícuo e de investimento estatal em saúde e educação) são evitados por coalizões governamentais heterodoxas. Mas parece que ela mudou completamente o cenário político latino-americano.
VLADIMIR SAFATLE
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