Entrevista do mês: feita por Zé Dirceu com Clara Charf - viúva de Carlos Marighella -
Quem diria que a linda aeromoça alagoana Clara Charf viria, um dia, a se casar com um dos homens mais procurados por mais de uma ditadura deste país, o guerrilheiro baiano Carlos Marighella, fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), uma das dissidências do Partido Comunista Brasileiro!
Foi o que aconteceu e sua vida nada teve de comum. Companheira de um dos mais emblemáticos líderes da esquerda brasileira, Clara viveu as agruras da clandestinidade, viu o sol nascer por trás das grades e foi obrigada a se exilar. Mas quem a vê, hoje, nos seus 86 anos, não enxerga nesta simpática senhora uma gota de rancor em relação às durezas pelas quais passou. Aliás, se surpreenderá com o bom humor e o brilho nos olhos desta sra., uma testemunha ímpar da história deste país.
Mais do que apenas mulher de Marighella, Clara se provou, ela própria, uma ativa militante. Atuante defensora da causa da mulher, faz sua voz ser ouvida seja no PT, seja no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, da Secretaria Especial de Política para as Mulheres da Presidência da República, seja na Associação Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, ou na Comissão de Mortos e Desaparecidos.
Neste 8 de março em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, entrevistamos Clara. Uma prazerosa tarefa, aliás. E quem ler a entrevista abaixo, notará que, além de dar respostas, ela inverte o jogo, é adepta a perguntas e a questionamentos. Como não respondê-los? Confira, a seguir, uma deliciosa conversa com esta grande companheira.
[José Dirceu] Você diria que o Brasil é um país machista?
[ Clara Charf ] Não conheço nenhum país que não seja. Agora, isso não quer dizer que todas as pessoas neste ou naquele país sejam machistas. Essa é uma questão de indivíduos. Muitas pessoas nem sabem o que significa ser machista. Quando eu comecei a militar, machista era um adjetivo que eu nunca tinha ouvido. Existia apenas a noção do “homem mandão”, lá no Nordeste, quando comecei a despertar para algumas coisas.
Lembro que havia uma vizinha nossa, portuguesa, que tinha um marido que era um malandro. Ela ficava o dia todo lavando o terno dele, lavando e passando roupa, cuidando das filhas, fazendo de tudo... Ele saía, belo e formoso, ela só conversava com a minha mãe, por cima do muro. Nunca ia a lugar algum.
Eu ia a pé para o trabalho - era bancária naquela época - e um dia, de repente, olho e lá estava o marido da dona Helena, de terno passado, com chapéu, agarrando uma mulher, em público, ao meio dia. Fiquei possessa! Ao voltar à noite, eu soltei: “Mamãe, eu não vou me casar nunca”. Continua>>>
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