A verdade sobre a ditadura militar
Ao contrário da grande imprensa — que se faz de avestruz quando o assunto é o reconhecimento de que a ditadura deixou muitas feridas abertas— a juventude brasileira está viva, felizmente.
Viva e atuante,exercendo o papel que lhe cabe: o de contestar, reagir, refletir e, sobretudo,relembrar tantos outros jovens brasileiros —muitos dos quais deram a própria vida em sua luta pela democracia e pela liberdade.
Isso ficou evidente na semana que passou, quando se completaram 48 anos do Golpe Militar de 1964, que mergulhou nosso país nas sombras, instaurando uma longa ditadura de 21 anos, cujas consequências nefastas para o desenvolvimento do nosso país ainda sentimos.
Se, por um lado, setores saudosistas das Forças Armadas contrariaram a extinção dos atos comemorativos e insistiram em celebrar o que chamam cinicamente de revolução, por outro lado, vários atos de jovens e artistas, com as marcas da irreverência, condenaram os apoiadores da ditadura e denunciaram algumas das sinistras heranças da época, como a violência policial.
No último domingo, 1º de abril, o intitulado Cordão da Mentira reuniu centenas de manifestantes em São Paulo, em marcha que percorreu lugares emblemáticos, como a sede da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição Família e Propriedade (TFP), o elevado Costa e Silva e a antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), entre outros locais.
Os organizadores deixaram claro que o propósito foi revelar pessoas, entidades e instituições que apoiaram e colaboraram com o golpe, aberta ou veladamente.
O Cordão da Mentira foi apenas um dos manifestos dessa natureza em uma semana marcada pela afirmação da necessidade de resgate da memória de um período triste. No dia 27 de março, jovens ligados ao Levante Popular da Juventude realizaram os chamados “escrachos”, em sete capitais brasileiras.
Inspirados em ações similares ocorridas na Argentina e no Chile, foram às portas de ex-torturadores da ditadura para deixar claro que, embora continuem impunes, a sociedade não os esqueceu e vai cobrar a apuração de seus atos criminosos.
No Rio de Janeiro, na quinta-feira passada (29/3), outras centenas de jovens se reuniram diante do Clube Militar, onde militares aposentados promoviam uma acintosa comemoração ao 31 de março.
Os manifestantes projetaram fotos e vídeos de mortos e desaparecidos e clamaram pela abertura dos arquivos militares, exigindo que o Brasil pague a sua dívida com as famílias dessas vítimas da truculência do regime ditatorial e com sua própria consciência.
Esse ato teve reação violenta por parte da polícia, que tentou impedir a livre circulação dos participantes, usando bombas de gás e cassetetes.
Curioso, e triste, é que muitos dos que apoiaram o Golpe Militar, conspirando contra a Constituição e a democracia, agora, façam-se de desmemoriados. O silêncio de boa parte da imprensa em seus editoriais e de sua tímida cobertura a esses acontecimentos é revelador.
Afinal, como já disse Desmond Tutu, um dos ícones na luta contra o Apartheid na África do Sul, “se você é omisso em situação de opressão, você escolhe o lado do opressor”.
Não é mera coincidência que isso tudo aconteça logo após a criação da Comissão da Verdade, que está para ser instalada e tem a importante missão de investigar as graves violações aos Direitos Humanos, ocorridas durante o regime.
Exacerbar o debate em torno desses movimentos é essencial para que essas questões saiam dos gabinetes e ganhem as ruas, levadas pela mobilização popular e principalmente pelos jovens, a quem quase sempre é delegada a missão de manter viva a memória de um povo e de lutar para que seja conhecida a verdade de sua história.
Memória fundamental para que atrocidades como as cometidas durante a ditadura não se repitam e para que a banalização da impunidade, plantada lá atrás, seja combatida e extirpada.
Nesse sentido, o papel primordial da comissão será o de levar a todo povo a verdade e a memória sobre o Regime Militar. Afinal, a criação da comissão é uma vitória da democracia e da sociedade.
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