Juiz só se manifesta nos autos. Aprendi esta singela lição alguns séculos atrás quando fui fazer minhas primeiras matérias nos tribunais. E sempre achei que deveria ser assim mesmo, a bem da Justiça, mas não é o que está acontecendo com o jogo pesado apresentado neste julgamento do mensalão.
Ao longo das três primeiras semanas, não houve dia em que não aparecesse entrevista ou declaração em "off" (eles adoram isso) de ministros se manifestando sobre os mais variados assuntos que envolvem o chamado "julgamento do século", de todos os séculos, desde a chegada de Cabral (o Pedro Álvares).
Discute-se se vai dar tempo ou não para o ministro Cezar Peluso votar pela sumária condenação dos réus, fartamente anunciada e nunca desmentida, antes de se aposentar no próximo dia 3, como se isto fosse uma coisa natural, já transitada em julgado.
O clima lembra final de Copa do Mundo, com todos dando palpite sobre o resultado do jogo e o esquema tático que deve ser adotado pelo time de ministros, com 11 juízes em campo, um dando canelada no outro.
A dúvida sobre a participação de Peluso, tratado como se fosse o Pelé, o jogador que decide a partida, está no centro das discussões, transformando o tribunal numa destas mesas redondas de futebol das noites de domingo.
Hoje é a vez do ministro relator Joaquim Barbosa, a estrela do time, que acumula as funções de comentarista do julgamento, pontificar no noticiário, ao tratar da aposentadoria de Peluso antes da partida final.
"A única preocupação é a possibilidade de dar empate porque já tivemos, em um passado muito recente, empates que geraram impasses".
Que impasses? Como no futebol, a regra é clara: na mesma época em que aprendi que juiz só se manifesta nos autos, o empate beneficia os réus. "In dubio pro reu", dizia-se, em bom latim.
Ainda outro dia escrevi aqui mesmo sobre a importância dada à participação de Peluso porque o tribunal parece rachado ao meio e um voto pode decidir pela absolvição ou condenação de cada réu.
Com a decisão do relator de fatiar o mensalão em oito capítulos, deixando a aplicação das eventuais penas só para o final, tornou-se ainda mais difícil para Barbosa contar com o voto de condenação do seu aliado Peluso, já que faltam apenas mais cinco sessões para o ministro cair na aposentadoria compulsória.
Aconteça o que acontecer, a nossa brava grande imprensa a cada dia deixa mais claro que não aceita outro resultado que não seja a condenação dos réus, não importa quando nem como.
Já vimos como a maioria dos juízes é sensível a microfones e holofotes, e quer ficar bem na fita, independentemente do que digam os autos. Tem até ministro dando entrevista coletiva após as sessões...
Entramos nesta quarta-feira na 13ª sessão do julgamento, com a leitura do voto do revisor Ricardo Lewandowski sobre os itens já julgados pelo relator, e ninguém sabe quantas ainda serão necessárias até que saia o veredicto.
Todo mundo acha alguma coisa e tem até quem duvide que o resultado saia ainda este ano. Assim como Joaquim Barbosa, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também se manifestou sobre o voto de Peluso:
"Eu acho que seria ideal que Peluso votasse em tudo, mas, se não for votar, melhor que seja em parte do que em nada".
Nos tempos antigos, quando a imprensa apenas fazia a cobertura e não era parte dos julgamentos, juiz era juiz, promotor era promotor e jornalista era jornalista, e ninguém tinha que achar nada, mas apenas trabalhar direito na sua área de competência. Por isso mesmo, eu não acho nada...
E o que acha de tudo isso o caro leitor?
Ricardo Kotsvcho
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