Luis Fernando Veríssimo – Botecos
Tinha uma mania: colecionava botecos. Não os frequentava, apenas Era um estudioso. Gostava de descobrir botecos e recomendar para os amigos. Ultimamente, vinha se especializando — um refinamento da sua paixão — no que chamava de botecos asquerosos. Daqueles que nenhum fiscal da Saúde Pública incomoda porque não passa pela porta sem desmaiar.
Seu rosto se iluminava na frente de um boteco asqueroso recém-descoberto. Não resistia e entrava. Depois contava para os amigos.
— Uma glória. Sabe ovo boiando em garrafão com água?
— Repelente, não é?
— As galinhas não os receberiam de volta. A própria mãe! Descrevia o boteco com carinhoso entusiasmo.
— E que moscas. Mas que moscas!
Só não tinha paciência com o falso sórdido. Alguns botecos assumiam suas privações como uma declaração de falta de princípios. Ele preferia o sórdido inconsciente, o sórdido autêntico. Principalmente, o sórdido pretensioso. Uma vez contara, extasiado, uma cena. Terminara de comer uma inominável almôndega, pedira um palito para o dono do boteco e desencadeara uma busca barulhenta e mal-humorada, com o dono procurando por toda parte e gritando para a mulher:
— Cadê o palito?
Finalmente o dono encontrara o palito atrás da orelha e o oferecera. Ele se emocionava só de contar.
Os amigos, sabendo da sua paixão, mantinham-se atentos para botecos sórdidos que pudessem interessá-lo. Muitos ele já conhecia.
— Um que tem uma Virgem Maria pintada num espelho com uma barata esmigalhada de tapa-olho? Vou seguido lá. A cachaça é tão braba que tem bula com contra- indicação.
Outro dia lhe trouxeram a notícia do pior dos botecos. Não era um boteco de quinta categoria. Era um boteco de última categoria. Ficava no limite entre a vida inteligente e a vida orgânica. Ele precisava ir lá verificar. Foi no mesmo dia. Ficou estudando o boteco de longe, antes de se aproximar. Tinha um garoto na porta do boteco. A função do garoto era atacar cachorros sarnentos. Quando passava um cachorro sarnento o garoto o enxotava — para dentro do boteco!
Ele atravessou a rua na direção do boteco com aquele brilho no olhar que tem o pesquisador no limiar da grande revelação, ou o santo antes do doce martírio.
E tem a história do Nascimento, que um dia quase brigou com o garçom porque chegou na mesa, cumprimentou a turma, sentou, pediu um chope e depois disse:
_ E trás aí uns piriris.
_ O que? – disse o garçom.
_ Uns piriris.
_ Não tem.
_ Como, não tem?
_ “Piriris” que o senhor diz é...
_ Por amor de Deus. O nome está dizendo. Piriris.
_ Você quer dizer – sugeriu alguém, para acabar com o impasse – uns queijinhos, uns salaminhos...
_ Coisas pra beliscar – completou o outro, mais científico.
Mas o Nascimento, emburrado não disse mais nada. O garçom que entendesse como quisesse. O garçom, também emburrado, foi e voltou trazendo o chope e três pires. Com queijinhos, salaminhos e azeitonas. Durante alguns segundos, Nascimento e o garçom se olharam nos olhos. Finalmente o Nascimento deu um tapa na mesa e gritou:
_ Você chama isso de piriris?
E o garçom, no mesmo tom:
_ Não. Você chama isso de piriris!
Tiveram que acalmar os ânimos dos dois, a gerência trocou o garçom de mesa e o Nascimento ficou lamentando a incapacidade das pessoas de compreender as palavras mais claras. Por exemplo, “flunfa”. Não estava claro o que era flunfa? Todos na mesa se entreolharam. Não, não estava claro o que era flunfa.
_ A palavra está dizendo – impacientou-se Nascimento. – Flunfa. Aquela sujeirinha que fica no umbigo. Pelo amor de Deus!
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