Crônica dominical de A. Capibaribe Neto


O primeiro dia seguinte

A frase de um comercial na TV me fez refletir sobre a importância do segundo que separa o ano velho de ano novo. Esta fração de tempo, aparentemente insignificante, separa cada momento especial do momento seguinte, seja ele qual for, a partir do Big Bang que separou o nada que existia no desconhecido do início de tudo. Num segundo, o primeiro choro, anunciando o início da experiência maravilhosa que é a vida e todas as s emoções, das mais ingênuas às mais emocionantes que só a coleção de muitos aniversários vividos pode proporcionar. Um dia, um segundo que separa as lembranças de toda uma vida do retorno ao nada definitivo e absoluto depois da morte. Um segundo pode separar o ser do não ser mais; uma alegria de uma tristeza e limita, com linha tênue, um amor profundo de um ódio mais profundo ainda. Tergiversar sobre o óbvio é fazer rodeios para explicar algo explícito de cores vivas; é deitar fora segundos preciosos na necessária aceitação do que já aconteceu e tornou-se imutável, onde nenhum milagre é capaz de refazer qualquer segundo na linha do tempo.

Faltava pouco para a última meia-noite do ano que passou. As três cadeiras vazias em volta da mesa do clube elegante e gente bonita representavam as ausências queridas. Todas elas. Vim um rosto conhecido ali, outro mais adiante, dividi dois ou três abraços e me afastei da azáfama festiva da colmeia, em sua maioria vestida de branco, preparando as taças e copos para saudar, com renovadas esperanças, o Ano-Novo em seus últimos minutos de trabalho de parto, e fui caminha na pequena faixa de praia que separava o cenário da festa do Iate de seu ancoradouro. Alheei-me de tudo e procurei um ponto qualquer entre as luzes que sinalizavam qualquer coisa nas águas calmas do Porto do Mucuripe e deixei que aflorassem os rostos que amava, queria sadio e que a história do maior amor fizesse, dentro do meu coração, sua despedida mais digna. Era noite de festa, logo começaria o Ano-Novo e o 13 não podia prenunciar um ano de azar. Seria imperioso acreditar em alguma coisa, fosse no milagre do perdão quase impossível de ser concedido e na magia que fizesse sumir as mágoas.

Refleti sobre a importância do segundo que separa um sonho desfeito de uma realidade difícil de aceitar. O pecado da cegueira diante do segundo que antecede o eclodir de uma paixão e as consequências de assumir diferenças arriscadas. A dedicatória que ainda resiste no verso da foto que ficou é o que justifica a confissão das culpas e dos arrependimentos: "À você que está me fazendo sentir as mais loucas emoções e que me mostrou que vale muito mais à pena viver quando se ama..." Os apaixonados instantâneos são assim mesmo, pois só quem vive o ardor de beijos sem fim e abraços que nunca acabam é que pode se achar eterno. Veio-me à lembrança a mensagem: "o homem que busca a si mesmo não percebe, a princípio, que busca o amor. Quando percebe, o nega. Quando já não pode negá-lo, recusa-se a percebê-lo.Reflita sobre isso, não necessariamente sobre a minha passagem na sua vida..." E tantas outras confissões de amor, carinho, paixão e benquerença que me causaram medo. Se passei a vida buscando o amor, quando o percebi pensei que era só paixão e o neguei. Quando não me restou outra alternativa a não ser aceitá-lo já era tarde demais. Os fogos explodiram. Era Ano-Novo. Respirei fundo, resumi as lembranças mais importantes disse apenas "É...", para dentro do peito e da alma, na aceitação mais profunda e definitiva de todas as consequências e fui embora para os segundos aos quais tivesse direito no resto de vida com a qual ainda pudesse sonhar. Se tivesse força e se quisesse.

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