Roberto Toledo: viés, cada um tem o seu


O dinheiro está trocando de mãos como raramente ocorreu. No Brasil e no exterior, o rentismo deixou de ser uma opção para multiplicar o patrimônio. Ao contrário, nos países desenvolvidos a remuneração do capital financeiro é negativa. Quem vive de renda fica mais pobre. O jeito de fazer o dinheiro dar cria é investir em novos e velhos negócios, ou seja, arriscar.
O risco é a justificativa moral do capitalismo quando acelera a redistribuição do patrimônio. Alguns novos negócios vão dar certo, mas muitos vão dar errado. E o dinheiro vai trocar de mãos ainda mais rapidamente. Tudo isso provoca desconforto. Rompe estruturas seculares, desconstrói estilos de vida, revoluciona a sedimentação social.
Com juro baixo ou negativo, é mais fácil ter dívida do que patrimônio. No Brasil, esse rearranjo provoca dores de parto e reações proporcionais às perdas. O impacto varia de setor a setor. Empresas voltadas para o mercado de consumo interno estão geralmente melhor do que as dependentes da economia chinesa, que por sua vez estão melhor do que concessionárias de serviços públicos ou aquelas reguladas diretamente pelo governo.
O intervencionismo pontual do estado faz aumentar desigualdades. Beneficiários e prejudicados não são produzidos apenas pela aleatoriedade do mercado, mas pela caneta da burocracia. A grita aumenta não só por reação às injustiças, mas por ficar claro aos atores econômicos que quem não chora não mama.

No meio desse vendaval, alguns setores têm dose extra de drama. Estão sendo batidos pela revolução digital e experimentam a rápida agonia de suas fontes tradicionais de faturamento. Para esses setores, à perda das receitas financeiras soma-se o risco de perda do próprio negócio.
Por isso as percepções são muito díspares e dois observadores podem ter compreensões muito distintas do mesmo fenômeno. Depende de onde estão situados, do seu ângulo de visão do problema. Todo observador tem seu viés. O desafio é estar ciente dele e tentar compensá-lo reconhecendo outros pontos de vista.
Em novembro, o índice de confiança do consumidor alcançou seu patamar mais alto nos dois anos de governo Dilma Rousseff. Os confiantes acham que sua renda aumentou e vai continuar aumentando, não temem perder o emprego e planejam consumir mais. Estreitamente correlacionada ao INEC da CNI/Ibope, a popularidade da presidente também bateu recorde em dezembro.
Os 78% de aprovação presidencial são difíceis de compreender pelos 17% que desaprovam seu governo. Eles estão concentrados no Sul/Sudeste, nas periferias das metrópoles e entre quem tem diploma de faculdade mas renda proporcionalmente mais baixa. As diferenças são pequenas porém, tornando difícil isolar um fator que explique a desaprovação.
Os consumidores confiantes não estão sozinhos no seu otimismo. Os empresários do setor de serviços também estão mais confiantes do que nos meses anteriores, segundo a FGV. Entre eles, não por coincidência, destacam-se os prestadores de serviços para as famílias. Servidores e servidos têm a mesma percepção.
Entre os empresários da indústria, a confiança cresceu pouco no mês passado, segundo a CNI. O índice continua abaixo da sua média histórica. Entre os industriais, as diferenças de percepção são grandes. A confiança é 13 pontos maior no setor farmacêutico do que no de manutenção e reparação. É 10 pontos mais alta na indústria de limpeza do que na de extração mineral.
Quando há reacomodação traumática do dinheiro, a política é um canal de desafogo. Perdedores vão tentar cavar compensações com o governo ou se entrincheirar junto à oposição. As tensões aumentam, a corda estica. Posições se radicalizam e adversários se distanciam. Nesse cenário, as visões se estreitam e é mais difícil encontrar um campo comum. Diminuem os consensos e aumentam os conflitos. É o cenário para 2014.

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