A. Capibaribe Neto: Chegar e sair sem incomodar


Ainda tentei, algumas vezes, ajoelhar-me, fechar os olhos, fingir que acreditava em alguma coisa, imaginar um tremor, um receio, provar da sensação de ter fé ou coisa parecida, mas nunca consegui, principalmente depois que um sacerdote, lá por volta de 1957´ quando meu avô morreu, e foram pedir que lhe rezasse uma missa de sétimo dia e li a resposta que este mandou: "quem passou a vida sem precisar de Deus, depois de morto não vai precisar". 

Os tempos eram outros e a missa ainda era rezada em latim, e desde então muita coisa mudou. Hoje, é quase um espetáculo com músicas populares, mas continuam radicais os extremistas que não toleram qualquer desvio de conduta que ponha em dúvida o que diz o Livro. Pois bem, nunca fui de pedir perdão pelo que disse de errado ou quando magoei, traí ou fui inconsequente sentimentalmente, procurando subterfúgios ridículos para explicar-me. Havia consciência, sim, dos pecados que cometi e talvez esteja exatamente aí o tal "livre arbítrio" e assim, nada além do reconhecimento da culpa. 

Não apelei para rezas, orações nem dedilhei terços, nada. Por um momento, e diante de tantas dores apertando no peito, senti uma vontade enorme de desistir de mim mesmo. Abri caixas, envelopes e desnudei a alma e coloquei o espírito de joelhos diante de um tribunal presidido pelo meu eu mais sincero, e então me sentenciei: culpado! E com a reserva de dignidade da qual jamais poderia abrir mão, aceitei a pena que me impus. Fiz as malas, me desfiz do pouco que amealhei ao longo de tantos anos de vida e saí de dentro do passado, que nunca foi lugar para se morar e muito menos para lamentações sem fim. 

Olhei para trás pela derradeira vez e consegui enxergar com clareza o rosto dos poucos amigos que realmente me queriam bem, me despedi como pude dos que se deliciaram nas arenas, joguei no lixo as flores de plástico e fui em busca do que sobrou de mim. Bati à porta dos confins do mundo e encontrei um lugar longe demais. E era frio, muito frio. Não chamei por nenhum deus nem senti medo de nada. Fiz de mim meu maior desafio e deixei pegadas na neve. Deixei que os ventos polares me açoitassem o rosto e não derramei uma lágrima pelo lanho das chibatadas. Uma para cada culpa com a certeza do merecimento. 

E aí, procurei um lugar mais afastado ainda, cavei uma pequena sepultura com as mãos ardendo de frio, enterrei um resto de lembranças dentro de uma respeitosa e solene caixa feita de saudades mortas, cobri o lugar com pequenas pedras vulcânicas do Eifyaektlayoakhoult e sai em busca de outros lugares mais distantes ainda onde pudesse continuar desafiando o meu pior inimigo: eu mesmo! 

Como imaginava, longe é apenas um lugar difícil de encontrar, mas não é impossível de chegar para ser pontual no final da busca pelo seu eu mais profundo. E senti um alívio enorme porque eu estava lá de braços abertos, um sorriso acanhado e apenas um pouco cansado e mais envelhecido. Em nenhum momento incomodei ao deus que todos temem. 

Lembro apenas de ter dito em respeitoso silêncio: vim deixar as minhas culpas embrulhadas no mais sincero arrependimento e o recibo da quitação do pagamento pelo que elas me custaram. Desisti de desistir e não precisei apelar para nenhuma fé. 

Se deus existe mesmo, deve ter ficado ali, só olhando para ver até onde eu aguentava e talvez tenha sentido muito orgulho de mim, porque cheguei de cabeça erguida e fui embora com o peito cheio de orgulho, e sem dizer mais nada, fechei a porta que havia entre o antes e o depois do que quer que seja, quebrei sua pesada e incômoda chave e dei o primeiro passo para o resto do caminho que ainda tinha pela frente sem medo de mais nada e com o espírito leve como há muito não sentia. 

Akureyri, Norte da Islandia, janeiro de 2013, um lugar longe demais! 

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