Crônica dominical de A. Capibaribe Neto


Em busca da aurora boreal

Quando vi meu peito aberto e o coração exposto senti que precisava conter o pânico e que a cura seria de dentro para fora, mas estava tudo muito confuso e fora de lugar e precisava estancar o desespero apagando da lembrança quem me deixou do outro lado da porta que se fechou. Nada é pior do que faltar forças para deixar de pensar em quem ficou do lado de dentro enquanto o amor desfeito se esvaía nas ruas. Um dia, as pessoas que mais marcaram a nossa vida morrem nas nossas saudades, mas enquanto esse dia não chega a aflição é terrível. Os sentimentos que nos magoaram muito ao longo da vida, mas insistimos em persegui-los, nunca acabam bem e causam dores terríveis no peito. Essas dores levaram-me a procurar lugares distantes para tentar cuidar delas sozinho. E pelos caminhos que escolhi, felizmente, encontrei o anjo da guarda que me fez desistir de desistir. A paz que brilhava nos seus olhos e o seu sorriso aliviaram as minhas dores, cada uma delas. Não concordo quando se diz que só um novo amor para esquecer um amor que chegou ao fim sem o consenso dos dois corações envolvidos. Descobri que um sorriso, mesmo do outro lado do planeta podia falar a um coração machucado, com serenidade: "para teres chegado até aqui precisaste vencer teus desafios. Para teres sobrevivido a eles precisaste cuidar de cada uma das tuas agonias e agora estás aqui, bem na minha frente. Inteiro! Então, desistir de desistir de tudo valeu à pena!" Não precisei contar a minha história, desabafar como fiz, repetida e cansativamente, tantas vezes! Bastou-me o aconchego dentro do universo que existe num ombro discretamente perfumado onde pude deixar, sem mais lágrimas e emoções, que as lembranças sem mais sentido exalassem, seu derradeiro suspiro. E então pude retomar meu caminho, e todo caminho, mesmo em um lugar no fim do mundo tem sempre um aviso alertando para um "RETORNO PERMITIDO". E fiz esse retorno, e descobri o livre arbítrio para escolher entre continuar sofrendo ou parar de sofrer. Encontrar esses retornos pode ter sido o milagre da última chance porque ainda tinha forças para me levantar do chão do fundo do poço e ir em busca do resto do meu destino. Mesmo quem envelhece tem o direito a um destino, nem que seja pouco.

Afinal, envelhecer não é pecado e não havia motivo para pedir perdão a ninguém, e não envelheci sozinho. Envelheceram também os iludidos com as suas "eternidades" passageiras. Depois do retorno, logo adiante, encontrei uma luz acesa, e diante dela a pousada chamada "Bom Senso!" E lá só restava uma vaga. Finalmente, eu podia descansar. Entrei no quarto e fui direto para o chuveiro quente. Quando acendi a luz, vi-a deitada sobre a cama, à minha espera, de braços abertos, mais bela que nunca, a VERDADE! Estava NUA como jamais a havia visto antes. Abraçou-me forte, acariciou os rastros que as lágrimas haviam aprofundado nas rugas cavadas pelo tempo, deitou-se comigo e disse, quase num sussurro: "Agora, eu vou cuidar de ti... "

E adormecemos dentro de um abraço apertado. Pela manha, um sol acanhado apareceu tímido no horizonte distante, onde costuma se espreguiçar no dias de inverno acima do Círculo Polar Ártico, quando só aparece para fazer breve festa sobre as poucas cores da paisagem cinza.

Assustei-me com o sussurro do vento, levantando a neve fresca que caíra durante a noite, parecendo repetir frases que me traziam recordações magoadas:"cuida de mim, meu amor...! Me ama, meu amor! Me ama mais..." De repente, a VERDADE me tirou do transe com alguma rispidez: "NÃO,NÃO E NÃO! PODE PARAR... QUEM CUIDA DE TI AGORA E QUEM TE AMA SOU EU!" E depois, com carinho, conseguiu ser CRUA, sem deixar de entender o incômodo que alguns fantasmas ainda insistiam em me causar. Segurei forte a mão dela e saímos juntos, mais cúmplices que nunca, deixando rastros sobre a neve macia e rumamos em direção a um horizonte mágico para esperar pela Aurora Boreal aqui, no fim do mundo, onde tudo começa outra vez.

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