Crônica de A. Capibaribe Neto


Refúgio providencial

As reações de cada um de nós, diante de coisas que acontecem sem aviso prévio ou até mesmo aquelas cujo eclodir não deveria ser uma surpresa, mas sem hora para se evidenciar, acabam por entorpecer, confundir, desnortear e entristecer profundamente o que está do lado mais fraco de uma mesma emoção.

Afastar-me do furacão, evitar a calmaria aparente do olho desse cataclismo era a única alternativa possível e capaz de me tirar das águas revoltas. Recolher-me, enclausurar-me eram formas de fugir, de evitar encarar o vento contra, as vagas mais revoltas. Onde estava o homem intrépido? O atrevido? O ousado? As confusões que atacam em bando quando o bom senso fraqueja ou colapsa momentaneamente, podem destruir, irremediavelmente as bases, os alicerces de todos os castelos que se constroem ao longo de toda uma vida. Os dias no quarto da pousada Berg, em Kéflávik, a uma hora de Reykjavik, na Islândia, estavam curando as dores dos machucados emocionais.

A pousada mais parece uma casa de gente de refinado gosto e cuidada nos mínimos detalhes. Nesta época do ano, inverno, de hóspede mesmo só eu. Melhor ainda. Ontem mesmo sai pelas ruas desertas nas proximidades do porto pesqueiro, de onde saem os barcos para pescar o cod, peixe que comemos no Brasil com o nome de bacalhau, que nunca foi peixe, na realidade, mas um processo que o torna tão valioso, salgado, consumido e apreciado mundo afora por suas variadas receitas e preferências.

A pousada Berg fica numa colina e a poucos metros de um penhasco, de onde posso ver as montanhas cobertas de neve e sentir no rosto a força dos ventos frios que chegam do Polo Norte. Não sei explicar minha preferência por lugares frios, afastados, distantes, como o deserto do Sahara e o próprio Polo Norte, bem perto de onde cheguei quando me aventurei acima do Círculo Polar Ártico e vi a Aurora Boreal. Estar aqui, mesmo sem ter com quem comentar ou dividir essas emoções difrentes, está me fazendo bem ao corpo, à mente, ao coração e diminuindo o tamanho das feridas que estão sarando.

O vento cuida de tudo. O frio nos obriga a abraçarmos a nós mesmos, como um abraço apertado que damos na nossa própria alma para aquecer o espírito. Quando saí do Brasil, não tinha um destino determinado.

A vontade continua sendo nunca mais voltar. É fácil mandar fotografias e textos de qualquer parte do mundo, como faço agora. Não tenho feito outra coisa a não ser agarrar-me às palavras, às imagens que se descortinam à minha frente e sem mais tempo de olhar para trás. Confundo-me com o sol que mal nasce e logo se põe. As cores não são nítidas porque é quase sempre uma espécie de amanhecer e logo escurece. Sinto sono sem saber que horas são e me acordo sem ter noção se é dia ou noite, madrugada ou meio-dia. Tudo isso não me deixa pensar em nada, sem exceção. Caminhei até cansar carregando a minha pouca bagagem.

Deixei a mochila e a sacola sobre a neve e me arrisquei na borda do penhasco para fotografar gaivotas teimosas que o vento frio parecia soprá-las contra o céu cinzento. Como nos filmes de emoção, escorreguei na água congelada sobre uma pedra, mas agarrei-me a um arbusto e depois de tudo ainda fiz a foto da gaivota. A gaivota ficou lá, o penhasco ficou lá, o vento me seguiu até a pousada e ficou assobiando pela fresta da janela. E a pousada nem era uma casinha velha, nem uma casinha nova, era um refúgio providencial.

Kéflavík, Islândia - 2013.

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