Nas casas senhoriais do Japão antigo era comum colocarem sininhos sob o assoalho dos corredores. Era impossível pisar numa tábua do chão de um corredor sem que soassem os sininhos. Conhecendo-se a violenta historia do Japão medieval, com facções em luta constante pelo poder, é fácil deduzir que os sininhos existiam para denunciar a aproximação de espiões ou assassinos. Mas o ting-ling também devia servir como alarme contra ladrões e para prevenir o flagrante de adultério. Imagine-se a senhora da casa prestes a arrancar as calças do entregador de pizzas, ou o equivalente na época, quando este levanta a cabeça e pergunta:
— Esse som de sininhos, é do templo?
— Não, é o meu marido!
O ting-ling era uma maneira prática de evitar surpresas. Mas pode-se imaginar o grau de desconfiança de uma sociedade em permanente pavor do que vem pelo corredor. Até que se revelasse quem ou o que vinha, os sininhos poderiam significar qualquer coisa, alimentar qualquer paranoia.
E qualquer tilintar poderia ser confundido com o ting-ling. Um gorjeio de passarinho, um pingo de chuva no teto, um brinde com cristais, até os inocentes sininhos do templo. E um gato solto num corredor espalharia o terror pela casa toda.
No Brasil de hoje desenvolvemos uma paranoia parecida. De tanto ouvir falara em roubalheira e maracutaias nos acostumamos a equacionar política e corrupção. Tudo que vem pelo corredor é suspeito, todo ting-ling é um prenúncio de escândalo.
E como no Japão antigo também vivemos em permanente estado de desconfiança. Claro que a classe política é responsável pela sua própria má reputação, mas há exceções importantes. E hoje não se rouba mais do que antes — é que antes não se ficava sabendo a metade.
Enfim: nem tudo que tilinta é má notícia.
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