Quem diria? Procurador-Geral, que posa de ícone da moralidade, tenta bloquear investigação sobre licitações e contratos firmados em sua gestão
Por Pedro Benedito Maciel Neto
Enquanto o Brasil vive uma nova ordem da nossa democracia após a onda de manifestações país afora e ainda comemora a vitória na Copa das Confederações, uma disputa no coração do Ministério Público promete fazer mais barulho que a discussão sobre a PEC 37 e coloca o Supremo Tribunal Federal no centro do debate.
De um lado, o Conselho Nacional do Ministério Público; do outro, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel. O conselheiro Luiz Moreira entregou ao STF detalhes das informações que está cobrando de Gurgel sobre licitações e outros contratos sob suspeita. Gurgel alega que Moreira quer apenas desmoralizar a instituição e pediu ao Supremo que suspendesse o pedido. O ministro Teori Zavascki negou o pedido do PGR e agora quer saber mais sobre as suspeitas levantadas pelo Conselho.
Mas, afinal, o que pesa contra o Procurador Geral da República já em fim de mandato? Por que Roberto Gurgel vem criando obstáculos de toda ordem contra as diligências que o conselheiro fez ou pelo menos tenta fazer?
Vamos aos fatos. Teria o citado conselheiro recebido em seu gabinete um grupo de servidores do Ministério Público Federal, que a ele relatou uma série de irregularidades praticadas pela administração daquele órgão em detrimento do erário. O Procurador Geral da República seria responsável pela realização de licitações suspeitas. Os valores superam os R$ 40 milhões. Além da falta de justificativas convincentes, haveria indícios de direcionamento de tais processos licitatórios.
Frente a gravidade do relato e diante da ausência de documentos (os servidores não quiseram apresentar nenhuma documentação formal, temendo perseguições administrativas), resolveu o conselheiro oficiar o Ministério Público Federal em busca de informações e documentos, afinal caberia a ele, na qualidade de conselheiro, requisitar de quaisquer órgãos do MP ou do Conselho as informações que considere úteis para o exercício de suas funções.
E aí começou a queda de braço que parou no STF. O conselheiro diligenciou e constatou que todos as licitações foram realizadas pelo mesmo pregoeiro, e em períodos mínimos, de no máximo 30 dias, entre a abertura do procedimento e a sua efetiva conclusão. Celeridade fora dos padrões de Brasília. O Portal da Transparência também serviu para reforçar suas suspeitas. Os processos de licitação apresentaram falhas como procedimentos sem páginas numeradas, com numerações repetidas, respostas apresentadas a questionamentos antes mesmo de estes serem formulados pelos licitantes, entre outros.
Há ou não algo minimamente suspeito a ser esclarecido por Roberto Gurgel? Mas não é só. O Conselho também quer apurar nomeações que causaram estranheza dentro do MP. Alguns servidores tiveram empregos de confiança transformados em cargo de provimento efetivo, em virtude de decisões proferidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público, mas há informação segura de que uma série de outros servidores não incluídos na decisão recebeu, sem nenhum procedimento formal, a inclusão nas mesmas condições.
Há informação também quanto à existência de servidores sem nenhuma graduação, exercendo cargos em comissão privativa de bacharéis, bem como prática de nepotismo cruzado. Em cima de tais indícios, o conselheiro oficiou a quem direito e não obteve resposta.
Caberia ao Procurador Geral da República, em não tendo “culpa no cartório” como se diz por aqui, prestar todas as informações ao conselheiro e, em havendo de fato irregularidades, apurá-las e punir os responsáveis sem nem precisar para tal lançar mão da “Teoria do Domínio do Fato”.
Roberto Gurgel, no entanto, optou por barrar qualquer iniciativa de investigação via Supremo Tribunal Federal. Tentou e não conseguiu. Como registrou a colunista Monica Bergamo, no sábado, dia 29, o STF quer esclarecimentos.
Ouso a dizer que não é apenas o ministro Teori Zavascki que quer a verdade. É a sociedade brasileira que deu claros sinais de insatisfação com os vícios na política e na gestão do dinheiro público. Chega a ser irônico imaginar que o mesmo Ministério Público que brigou para não perder seus poderes de investigação viva uma queda de braço interna exatamente para cercear o direito de investigar e sombrear a verdade.
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