O sentimento universal de simpatia por Mandela tem algumas explicações: seu heroísmo de 27 anos de isolamento sem se deixar abater; a integridade física, mental e política ao sair do isolamento; seu espírito de bondade que permitiu tratar com respeito até os carcereiros; a lucidez como decidia e falava; seu apego absoluto ao que era legítimo, mesmo quando a legalidade permitisse fazer diferente; e sua empatia capaz de atrair o respeito de quem o ouvisse por rádio, apertasse sua mão ou o visse, mesmo pela televisão. Foram as comunicações modernas que o universalizaram, mas suas características pessoais o imortalizaram.
Apesar de todas estas qualidades, o Nelson não seria o Mandela se não tivesse tido a competência e a oportunidade de abolir as leis do apartheid na África do Sul. Se não tivesse sido vitorioso nesta luta, não teria adquirido o imenso tamanho que lhe está assegurado na história.
Mandela é Mandela por ter feito o que parecia impossível: assegurar ao negro acesso aos espaços e serviços reservados aos brancos. Acesso às mesmas calçadas, banheiros públicos, hospitais, mesmas escolas e mesmos empregos.
Foi a abolição do apartheid que elevou Mandela às alturas para as quais ele estava preparado. Ele saiu da prisão inteiro e grande, mas fez-se imenso quando conseguiu com que os brancos e negros se dessem as mãos como partes de um mesmo país.
Depois de Mandela, a África do Sul é um país completamente diferente do ponto de vista das relações raciais. Ele cumpriu seu papel. Cabe aos seus sucessores fazer o avanço nas relações sociais, garantindo o mesmo direito de acesso entre ricos e pobres aos serviços sociais, especialmente na saúde e na educação.
Com sua força e legitimidade, ele conseguiu abolir o apartheid, agora é de outros a tarefa de abolir a “apartação” ao longo dos próximos anos.
E tudo indica que a África do Sul está fazendo seu esforço ao investir na educação de suas crianças, independentemente da raça. Porque, como ele mesmo disse: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.” Para tanto, a África do Sul tem um programa nacional e um ministério exclusivo para a educação básica.
Lamentavelmente, não é o que estamos vendo no Brasil. O nosso apartheid terminou quando a nobreza cedeu e aboliu a escravidão, mas em 125 anos de República não demos os passos necessários para abolir a “apartação”, negando aos pobres o acesso à escola com a mesma qualidade daquela dos ricos. Continuamos carimbando, desde o nascimento, a criança que terá ou não uma boa educação, dependendo da renda dos pais, como na África do Sul antes de Mandela, quando o carimbo estava na cor da pele da criança.
Na África do Sul, graças a Mandela, o filho do negro adquiriu acesso à mesma escola do filho branco; no Brasil, o fim da “apartação” consiste em assegurar ao filho do mais pobre brasileiro acesso a uma escola tão boa quanto a do filho do mais rico.
Mas, aqui, ainda estamos à espera de Mandela.