Enquanto os condenados da AP 470 têm seu acesso aos livros restringido a duas horas diárias, os presos comuns são estimulados a ler e chegam a passar até até quatro horas por dia lendo.
A leitura conta inclusive para a remissão penal.
Para os presos políticos da Papuda, o acesso aos livros é mais limitado do que em Guantánamo.
por Fiódor Andrade
do R7
PRESOS DO DF LEEM DEZ VEZES MAIS QUE A MÉDIA DO BRASILEIRO
De acordo com pesquisa, 70% dos presos e 80% das presas se tornam leitores assíduos
Gustavo Frasão, do R7, publicado em 24/03/2013
Projeto remissão de pena: presos poderão ser beneficiados com 48 dias a menos na prisão se lerem uma obra literária por mês e fizerem uma resenha sobre o livro a cada 30 dias
Presos têm um grande potencial para leitura. Uma pesquisa de mestrado feita na UnB (Universidade de Brasília) mostra que os detentos do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, leem em média 3 livros por mês, dez vezes a média do brasileiro, de 0,33 livros mensais ou quatro por ano, de acordo com dados da 3ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em 2012.
A pesquisadora Maria Luzineide Costa Ribeiro, responsável pelos estudos da UnB, disse que cerca de 70% dos presos que estão na PDF 1 (Penitenciária do Distrito Federal 1) no Complexo da Papuda, em São Sebastião, região administrativa do DF, tornaram-se leitores assíduos de livros de romance, ação, autoajuda e literatura estrangeira dentro da cadeia. Os dados fazem parte da dissertação de mestrado dela no curso de Letras apresentada no segundo semestre do ano passado.
Luzineide foi professora de Língua Portuguesa do sistema prisional durante 14 anos. Ela disse que nesse período observou que mesmo encarcerados e sem nenhum tipo de estímulo os internos tinham o hábito de ler. Interessada em pesquisar o assunto e confirmar essa impressão, ela levou a proposta para o Departamento de Teoria Literária e Literaturas da UnB e deu início aos estudos no ano de 2009.
Em 2010, ela voltou a penitenciária como pesquisadora e fez um primeiro levantamento. Aplicou questionários e avaliou os presos, que na Papuda são separados por crimes. Em 2011, ela e a equipe da UnB passaram 15 dias na cadeia promovendo oficinas literárias, com métodos dos próprios mestrandos da instituição.
— A recepção foi muito boa. Depois de coletar todos os dados, eu confirmei o que já sabia. Os presos realmente têm pré-disposição para a leitura.
Ela explicou que o próprio sistema ajuda a exercer esse hábito entre os internos, porque eles ficam 22h por dia dentro da cela. Os locais estão superlotados, mas por conta do ócio eles procuram ocupar o tempo fazendo leituras, mesmo com barulho, falta de espaço e conforto.
— Eles leem de dois a quatro livros por mês. Devem passar três ou quatro horas por dia lendo e se esforçam para concentrar na leitura, mesmo com o ambiente inadequado para esse procedimento.
Entre os autores preferidos estão Machado de Assis, Paulo Coelho e Oswaldo de Andrade. Os estilos de livros, no entanto, são os mais diversos. Os preferidos são temas de ação, romance, literatura estrangeira e até mesmo autoajuda.
Para a pesquisadora, se não fossem as condições estruturais ruins e de superlotação, provavelmente o índice de leitores assíduos seria ainda maior.
— Seria ideal, porque a própria polícia faz a distribuição dos livros. Existem bibliotecas lá, com acervo de quase 11 mil livros. As famílias também podem levar livros para os presos. Após a leitura, o título levado é doado para a instituição e passa a ser de uso coletivo. Se não fossem essas condições ruins [de superlotação e falta de local apropriado para leitura], certamente teríamos muito mais leitores dentro da cadeia.
Entre outros dados avaliados durante os quatro anos de estudos, Luzineide descobriu que 24% dos presos leem por prazer e 50% para adquirir conhecimento. Outros 20% fazem isso para se afastar de problemas, porque querem ocupar o tempo e a cabeça, e 10% faz por pura necessidade, com o objetivo de fugir do ambiente e da realidade.
— É importante dizer também que 52% não tinha o hábito de leitura antes de entrar na prisão. O próprio ócio produz isso.
Presídio Feminino
No Presídio Feminino de Brasília, também conhecido como Colmeia, que fica entre o Gama e Santa Maria, regiões administrativas do DF, a situação não é diferente. Durante os estudos, a pesquisadora levantou que 80% das detentas são leitoras assíduas.
Para ela, essa é uma informação que não assusta tanto porque, naturalmente, as mulheres têm o hábito de leitura no dia-a-dia "muito maior que os homens".
— Se fora da prisão é assim dentro então a tendência é continuar ou aumentar mais ainda. Lá, porém, elas não ficam o dia todo dentro da cela e por isso têm mais espaço e conforto para ler, porque passam a maior parte do dia livres dentro do presídio.
Entre os livros prediletos das detentas estão obras relacionadas a autoajuda e auxílio espiritual, em especial as que remetem a infância ou família.
Remição de pena pela leitura
O próximo passo do projeto da pesquisadora, batizado de Portas Abertas, é promover um programa de Remição de Pena na PDF I, autorizado pela portaria nº 276 do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) em junho de 2012.
O dispositivo legal prevê que o preso pode diminuir até 48 dias de pena se estiver disposto a ler um livro por mês, apresentando uma resenha sobra cada obra lida a cada 30 dias. Luzineide está otimista com a proposta e acredita que isso aumentará ainda mais o hábito pela leitura dentro da cadeia.
— Sem estímulo nenhum eles já fazem isso. Com estímulo ficarão ainda melhores. Hoje eles leem de dois a quatro livros, fazem isso à vontade. Quando formos implementar esse projeto, ficarão limitados a um livro por mês porque se não perderemos o controle da situação, mas será um grande avanço de qualquer maneira.
A ideia é que professores e alunos da UnB elaborem uma lista de obras literárias recomendadas para internos a partir do 9º ano (antiga 8ª série) que queriam ganhar o benefício. Em seguida, os professores aplicarão as resenhas dentro das salas de aula do próprio presídio e cada detento terá que redigir, de próprio cunho, o material sobre o livro que leu.
As resenhas serão levadas para a universidade e corrigidas pela equipe. Se o interno conseguir alcançar média de sete pontos, será beneficiado com a remição de pena. Esse procedimento acontecerá durante os 12 meses do ano a todos aqueles que quiserem, de forma espontânea, participar do programa.
— Esse projeto funciona desde o ano passado em duas penitenciárias federais. Vamos tentar adotar esse modelo e trazê-lo para cá. Os resultados podem ser bem positivos.
A pesquisadora também informou que vai investigar a preferência de cada preso conforme o histórico criminal, uma vez que na PDF I da Papuda eles são separados pelos crimes. Ela disse que observou algumas preferências, mas nada que tenha sido objeto de pesquisa com dados conclusivos.
A expectativa é que nos próximos quatro anos, porque ela deu início ao projeto de doutorado seguindo essa mesma temática, seja possível alinhar esses resultados com o projeto remição de pena pela leitura.
— Tem prédio de homicidas, de traficantes, de estelionatários, roubos e crimes sexuais. Todos separados. Percebi que os internos que cumprem pena por assalto preferem livros de aventura. Os condenados por tráfico de drogas ou homicídios têm preferência por obras ligadas à religião, como se quisessem pedir perdão a Deus pelo o quê fizeram. Aqueles que estão isolados cumprindo pena por crimes sexuais leem, principalmente, livros relacionados a autoajuda amorosa.
Do Book Addict
É possível encontrar bibliotecas até mesmo nos lugares mais improváveis. Um exemplo disto é a de Camp Delta, centro de detenção militar norte-americano localizado em Guantánamo Bay, em Cuba. O lugar possui aposentos repletos de livros divididos por idiomas e gêneros e, uma vez por semana, o representante do setor passa pelas celas carregando aproximadamente 50 deles. Caso os detentos obedeçam as regras da prisão, ganham o direito de escolher dois livros por vez ou mesmo fazer solicitações específicas.
A biblioteca possui em torno de 18 mil livros, boa parte deles em árabe, juntamente com uma menor quantidade de revistas, DVD’s e videogames. Segundo o encarregado do local, identificado apenas como Milton, por motivos de segurança, os títulos mais populares são os religiosos, mas o setor também conta com traduções em árabe de autores populares como Gabriel García Marquez, Danielle Steel e uma boa quantidade de volumes em inglês como os livros da série Harry Potter e O Senhor dos Anéis.
Alguns dos presos já dominavam a língua quando chegaram ao local, outros foram aprendendo ao longo do tempo. Como prisioneiros de guerra, os detentos, considerados terroristas, não eram protegidos pela Convenção de Genebra e boa parte já permanece ali sem julgamento há mais de uma década. Milton, no entanto, não possui muito patrocínio para manter o setor em funcionamento, mas advogados e membros da família podem enviar doações. Diferente do sistema comum, os detentos podem segurar um mesmo livro por até 60 dias em suas celas.
Um dos advogados locais informou a equipe do NY Times que as solicitações variam de romances tradicionais a revistas sobre atividades ao ar livre “pediu um preso que nunca havia visto a natureza pessoalmente”. Um dos seus clientes já realizou a leitura de 1984, de George Orwell, três vezes. Títulos que possuam muitos palavrões, sexo, violência ou temas extremistas e anti-americanos, no entanto, não são permitidos.
É importante lembrar, porém, a péssima reputação que o local detém há alguns anos. Documentos do FBI obtidos em 2007 durante um processo da União Americana pelas Liberdades Civis, trouxeram a tona diversos incidentes de abusos e constantes humilhações por parte dos guardas de Guantánamo. Um documentário realizado pelo National Geographic, intitulado Inside Guantánamo(Dento de Guantánamo, em tradução literal) revelou várias atrocidades que aconteciam no local, incluindo torturas, espancamentos, estupros e total desrespeito às práticas religiosas dos prisioneiros. Após a posse de Barack Obama, o presidente assinou em 2009 um decreto para fechamento da prisão e exigiu uma revisão na forma como os presos seriam tratados até lá. Guantánamo, porém, continua em funcionamento até hoje e já vem se tornando uma mancha constantemente relembrada em seu atual governo.
Caso vocês tenham interesse em ver mais fotos da biblioteca, alguns repórteres recentemente visitaram a prisão e tiraram vários fotos que foram publicadas em uma página do Tumblr.
Crédito das fotos: Gitmobooks
Com informações do New York Times