"O judiciário é o poder que mais tem faltado à República”

” A dura sentença atribuída a Rui Barbosa é ainda muito verdadeira entre nós, brasileiros, embora a atual coalizão que hegemoniza o Congresso Nacional deva merecer, com certeza, este lamentável título. Mas é inegável que nos falta um aparelho de Justiça mais ágil, menos comprometido com o poder econômico e mais severo com os malfeitos dos ricos e poderosos. E, fenômeno relativamente novo, menos escravo da mídia plutocrata ou da demagogia corporativista.
É claro que não se pode atribuir apenas às mazelas do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública a imensa sensação de injustiça e impunidade que mora no coração da maioria dos brasileiros. Há outras causas menos óbvias mas que precisam ser tratadas com a mesma urgência de nossas maiores urgências.
A mais grave delas, o anacronismo de nossa legislação processual, prenhe de incidentes e obstáculos ao caminho mais objetivo da Lei. Um magistrado da Suprema Corte americana não julga mais do que três dezenas de procedimentos por ano. Um membro do Supremo Tribunal Brasileiro não julga menos do que 3 milhares de procedimentos no mesmo período. Parte importante tendo o governo como patrocinador de recursos temerários propiciados pela manipulação de caminhos processuais tão legais quanto imorais e injustos.
Não é só o fato de que a América cede aos seus estados grande autonomia legal e judicante a explicação para essa abissal diferença. É a chicana favorecida por leis anacrônicas feitas para proteger os poderosos desde nosso imemorial legado escravista e patrimonialista.
Aqui, de novo, problema do Poder Legislativo. Nisso, a solução pode ser visualizada, pelo menos em tese, porque a cada quatro anos se renovam ou se podem renovar, pela mão do povo, as constituições desse Poder. Tal não é fato nas estruturas do Judiciário, e mais grave, não é fato no Ministério Público, órgão essencial à administração da Justiça.
Indústria de liminares, tráfico de influência, liberação de facínoras perigosos por pretextos ridículos, ainda que formais, exibicionismo midiático, são problemas que vêm se repetindo em nosso país, em praticamente todos os rincões. E em quase todos os níveis. A maior punição legal para um juiz corrupto é a aposentadoria compulsória com todos os seus proventos mantidos. Mesmo o grande avanço que significou a instituição do Conselho Nacional de Justiça ainda está longe de arranhar o problema. Basta que se anote que o Judiciário com mais notícias tortas do Brasil, que é o de São Paulo, simplesmente não dá a menor bola para o CNJ e fica por isso mesmo...
No Ministério Público o problema é ainda mais grave. Amoldado, com meu total apoio, como um dos maiores avanços institucionais da Carta de 1988, é constituído por concurso público meritocrático, mas não tem a menor hierarquia, nenhum regulamento funcional e disciplinar e seu conselho superior é ainda mais ineficaz e corporativista. Claro que a esmagadora maioria é de qualificação moral e intelectual respeitáveis. Mas uma minoria irresponsável tem aterrorizado a sociedade e prejudicado o interesse público impunemente. Claro que a solução jamais seria a ridícula PEC 37 que retirava poderes de investigação dos promotores e procuradores. Mas a litigância de má-fé e a denunciação caluniosa por parte de exibicionistas que abusam de suas prerrogativas, precisam ser regulamentadas, para por um fim às aberrações que temos assistido quase sempre contra o País.

A Defensoria Pública, também essencial à administração da Justiça, num país de imensas maiorias pobres, tem por principal defeito sua exiguidade. Num esforço de aperfeiçoamento de nossa Justiça é preciso expandi-la.

Esta semana recomeça o julgamento do assim chamado “mensalão”. O País inteiro estará olhando para a sua Justiça. E uma democracia sadia só funciona se a sociedade tiver segurança de que seus julgadores são justos, sóbrios, equânimes, mas severos.
É na boa interpretação da Lei que um bom magistrado se faz respeitar. Não é, definitivamente, com discursos loquazes para a tevê. As sentenças serão respeitadas, inclusive por eventuais apenados, se forem severas, mas livres de pressões políticas espúrias.
Eu acredito no Supremo Tribuna Federal brasileiro. Daí esta reflexão sobre a sede de justiça que sentimos.
Ciro Gomes - secretário de saúde do estado do Ceará

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