Uma bandeira de paz em tempo de guerra


Cada dia na vida de uma pessoa é uma existência em miniatura e sempre cheia de surpresas. A vida não avisa. A vida acontece até o dia que não acontece. São bem poucos os que saem da vida por vontade própria e em momentos de extremado desespero. Muitos já se desesperançaram e chegaram a cogitar abreviar o compromisso de viver, mas depois, por algum detalhe ou uma dessas mesmas surpresas, determinam a mudança brusca da caminhada sem rumo daquele que tateia na aparente e oportuna estrada do desespero. Cada dia na vida de uma pessoa proporciona oportunidades de serem boas, gentis, solidárias, mas existem aquelas que se alimentam do fel ou de veneno, como aquele das piores cobras, que escorrem pelo canto das bocas curvadas para baixo. Nunca tive medo de alma, de fantasmas ou daqueles que me olham nos olhos e dizem lá as suas verdades ou me dão ciência dos seus queixumes, suas preferências, e falam de seus deuses, da sua fé, das suas crenças. Dia 3 passado, fiquei mais velho. Já percorri um grande caminho, vivi um monte, tentei ser bom na maioria das vezes e em muitas me enganei ou fui mau mesmo. Guardo pouco rancor e ódio mesmo sinto por bem poucos. Não perdoo punhalada pelas costas ou agressões igualmente oportunas pela facilidade que proporciona a ausência do "bola da vez". Qual a razão desse intróito? Como disse linhas acima, dia 3 fiquei mais velho e me dei de presente uma viagem...! Não, não é a Paris, Londres, Roma, não. Quando esta crônica estiver diante dos olhos de vocês estarei a milhares de quilômetros dos amigos poucos e dos rostos azedos que não fazem a menor diferença para o meu coração: estarei no Afeganistão! "Você é louco!" - me disseram uns; "que é que tu vais fazer lá?" perguntaram outros. Os mais chegados, mais amigos, os que me querem verdadeiro bem pediram para eu não ir. Talvez faça mesmo jus ao "esse cara é louco", mas não podem dizer que quero aparecer. Para quem? Quero aparecer para os meninos que caçam pipas em Cabul, entrar no estabelecimento do Livreiro de Cabul, aparecer para as mulheres de burca e tentar, sorrateiramente, fotografá-las, mesmo à distância, mesmo correndo riscos. Quero aparecer para as paisagens tão machucadas, com suas flores cheirando a pólvora das bombas insanas dos homens guerreiros de nada, com seus interesses escusos ou até explícitos. Não quero imagens de destruição, de homens bombas idiotas que se explodem pensando em uma lua de mel com dezenas de virgens que acreditam esperar por eles. Sei dos riscos, mas o que é a vida? A vida é viver e perigosamente é uma opção. Quem não corre perigo aqui mesmo, em Fortaleza, onde uma rusga de trânsito culmina com a morte de um advogado em plena rua maquiada para a Copa do Mundo. A quantidade de jovens envolvidos com drogas que morrem todo dia é uma verdadeira guerra no Iraque ou no Afeganistão. Já estamos tão acostumados a essa violência que ela se tornou banal e aí, fica mais fácil olhar para o quintal do vizinho, mesmo que o vizinho esteja muito longe. Sei que a aventura pode me custar muita coisa. Já tenho o prazer de ser o brasileiro número 1 a receber o visto do primeiro secretário da Embaixada Afeganistão em Brasília, e aí esta a prova. Dia três eu começo a viver o resto dos dias a que tenho direito pelas ruas de Cabul, nos vales e montanhas de Herat, Mazar-e-Sharif e Kandahar. Ah, Kandahar! Vez por outra os talibãs malucos, extremistas, radicais e valentes apenas quando estão em bando ou através dos jovens que aliciam, fazem lavagem cerebral e se explodem acreditando em uma vida cheia de virgens. Só o trabalho do Profeta em juntar-lhes os pedaços já Lhe tomará muito tempo e quanto às virgens, acredito que seja meio difícil porque já foram tantos os homens bombas que se explodiram que o estoque dessas virgens se esgotou faz tempo. E as balas perdidas? Sempre existe uma à nossa espreita, aqui, no Rio, em São Paulo, pelas ruas desse Brasil cheio de Bolsa Família, de ladroagem, de talibã brasileiro que não tem dó nem piedade dos miseráveis que perambulam sem rumo por esse Brasil de meu deus. O fato de ter sido o primeiro brasileiro a conseguir um visto para entrar naquele país tão machucado mereceu o pedido do Secretário para fazermos uma foto juntos e registrar o feito. Não tenho a menor ideia do que tenha escrito em uma mensagem em persa que me entregou para levar a um primo seu em Cabul, mas seguramente será uma tradução do que lhe disse que seria o meu objetivo: "sou um homem de paz e vim procurar os homens de paz do Afeganistão" e se puder, pedirei a um talibã para vestir uma camisa da seleção brasileira que vou levando comigo, presente de um amigo querido que acreditou nessa "loucura", digamos assim... A camisa da seleção será a minha bandeira de paz no Afeganistão. 



por A. Capibaribe Neto

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