Havia tempos que não nos falávamos, mas as lembranças dos últimos momentos que passamos juntos nunca esmaeceram. A primeira vez que a vi chorar de verdade foi no aeroporto, quando assistiu o etiquetar das malas. Pela quantidade, ela se deu conta de que a partida tinha dia marcado, mas a volta estava fora de cogitação. "Por que para tão longe e qual a razão do lugar e sem passagem de volta?"
Explicar certas coisas muito íntimas não é fácil, principalmente quando se deseja guardar segredo para o próprio coração, esconder detalhes até da alma. "Um dia eu explico..." - respondi, depois de pigarrear discretamente, para evitar que ela desconfiasse que estava mentindo. "Quero saber agora, acho que mereço, afinal de contas..." - e deixou, depois das reticências, todo um rosário de motivos que nunca esqueci.
A casa velha fora demolida e a casinha nova mudou de endereço, de inquilino, não importava mais, não contava mais, mas existiam outras razões... Não muitas, talvez duas ou três, talvez apenas uma, mas tinha uma explicação, beirava ser uma justificativa. Nada na vida é eterno. Tudo é passageiro, embora sempre voltemos às origens, mesmo quando viramos pó, o pó das estrelas das quais viemos e de quem somos filhos ingratos.
Não me considero tão ingrato assim, porque de uns tempos para cá, tenho cuidado muito bem delas. Na verdade mesmo, elas cuidaram mais de mim porque me escutaram apenas brilhando, piscando em sua forma de entender e serem cúmplices no contexto das confissões que fiz, muitas vezes, madrugada adentro.
Renasci no primeiro beijo que trocamos, no primeiro abraço que não quis parar, na primeira cama sobre a qual sentimos vergonha por conta da pressa que não podia ser evitada. "Eu te amo, sabia?" Não, eu não sabia, foi você mesmo que me disse que nunca compreendeu a frase. E olha que eu te disse mil vezes, em muitas línguas, te olhando nos olhos, bem de perto, a cada vez que me afastava do teu rosto depois de um beijo longo, sem compromisso de acabar. "Mas eu te disse uma vez, lembra? Foi contigo que descobri essa coisa de amor.." Não importava... Eu queria partir mesmo, já estava decidido. Construí essa viagem há muito tempo, mesmo quando havia no ar uma esperança tímida de ficarmos juntos. Existem pessoas que dizem escutar vozes dizendo para fazerem coisas absurdas, mas sempre eram ordenando matar alguém, desculpa comprada de advogado barato para inocentar assassinos. O que eu escutava era a mim mesmo, incentivando para que eu fosse em busca dos meus limites, das minhas distâncias mais longínquas, dos lugares mais afastados e pegar de surpresa momentos únicos com a armadilha das minhas lentes. Pedi que não disséssemos nada quando eu tivesse de embarcar. Que fosse apenas um abraço bem apertado e que não nos deixássemos sucumbir à vontade das lágrimas curiosas. E foi exatamente assim. Faz tempo que estou ausente. Não sinto vontade de voltar. Acho que meu destino é o mundo e que cada horizonte é apenas um novo começo para um novo desafio. Estava em Siem Reap quando fotografei uma garota oriental lendo uma mensagem no celular. Foi exatamente aí que sonhei como ela poderia receber uma mensagem minha dizendo: "chego amanhã!", assim, como a japonesinha. Ou não. Preferi não arriscar e segui adiante. "Senhoras e senhores passageiros do voo EK640 com destino a Kabul, favor se dirigirem ao portão de embarque A19" - é o meu voo, é a minha viagem. Vou sozinho, mas ela está teimando aqui dentro, bem fundo no coração.
Crônica de A. Capibaribe Neto - capi@globo.com - publicada no Diário do Nordeste
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