Eu vivo sozinha. Tenho vivido sozinha por mais de 20 anos. Não quero dizer somente que estou solteira – eu vivo o que para muitas pessoas está mais para “isolamento” que simplesmente para “solitude”.
Minha casa fica em uma região da Escócia com uma das densidades populacionais mais baixas da Europa, e eu vivo em uma de suas regiões mais vazias: a densidade populacional média do Reino Unido é de 674 pessoas por milha quadrada (246 por quilômetro quadrado); em meu vale, temos (em média) mais de três milhas quadradas para cada um.
A loja mais próxima fica a 10 milhas de distância e o supermercado mais próximo a mais de 20. Não há conexão de celular e há pouquíssimo tráfego na estrada de pista única que passa a um quarto de milha abaixo de minha casa. Às vezes não vejo uma pessoa o dia inteiro. Eu amo isso.
Mas há um problema, um problema cultural sério, em relação à solitude. Ser sozinho em nossa sociedade atual suscita uma questão importante sobre identidade e bem estar. Em primeiro lugar, a questão precisa ser perguntada urgentemente. E aí – possivelmente, cautelosamente, depois de um longo período de tempo – precisamos tentar respondê-la.
A própria questão é um pouco escorregadia, mas é mais ou menos assim: como nós chegamos, ao menos no relativamente próspero mundo desenvolvido, em um momento cultural que, mais do que nunca, valoriza autonomia, liberdade pessoal, realização, direitos humanos e, acima de tudo, individualismo, enquanto ao mesmo tempo aqueles que são autônomos, livres e autorrealizados têm medo de ficar a sós consigo mesmos?
Aparentemente, acreditamos que somos donos de nossos corpos e deveríamos poder fazer com eles mais ou menos qualquer coisa que escolhêssemos, de eutanásia a implantes de silicone; mas nós não queremos estar sozinhos com essas preciosas posses. Vivemos em uma sociedade que enxerga a auto-estima elevada como uma prova de bem estar, mas não queremos ficar íntimos dessa pessoa admirável e desejável.
Vemos convenções morais e sociais como inibições de nossas liberdades pessoais, entretanto tememos quem quer que se afaste da multidão e desenvolva hábitos “excêntricos”.
Acreditamos que todos possuem uma “voz” própria singular e, além disso, inquestionavelmente criativa; mas tratamos com suspeitas sombrias quem quer que use um dos métodos mais claramente estabelecidos de desenvolver essa criatividade – a solitude. Pensamos que somos únicos, especiais e merecedores da felicidade, mas temos pavor de ficar sozinhos.
Afirmamos que liberdade pessoal e autonomia são tanto um direito quanto um benefício, mas pensamos que quem exerce essa liberdade autonomamente é “triste, louco ou mau”. Ou os três de uma vez.
“Em 1980, o censo dos EUA mostrou que 6% dos homens acima de 40 anos nunca se casaram”, escreveu Vicky Ward em 2008 no tablóide London Evening Standard. “Agora, 16% estão nessa posição… ‘solteirões masculinos’’ – um apelido que significa, na melhor das hipóteses, que esses homens têm “problemas”, e, na pior das hipóteses, que eles são sociopatas.
“Teme-se por estes homens, da mesma forma que a sociedade tradicionalmente temeu as mulheres solteiras. Eles não podem ver quão solitários serão. Mas, a tempo de aliviar minha ansiedade, um amigo britânico veio à cidade… ‘Eu quero me casar,’ disse ele. Finalmente, um homem de valor.”
Na idade média, a palavra “solteirona” era um elogio. Uma “solteirona” era alguém, normalmente uma mulher, boa em fiar lã; uma mulher boa em fiar a lã era financeiramente autossuficiente – essa era uma das pouquíssimas formas pela qual uma mulher medieval poderia conquistar independência financeira. A palavra foi generosamente aplicada a todas as mulheres em idade para casar como uma forma de dizer que elas entraram livremente no relacionamento: por escolha pessoal, não por desespero financeiro. Agora é um insulto, porque nós tememos “por” tais mulheres – e agora também pelos homens.
Ser solteiro, ser sozinho – junto com fumar – é uma das poucas coisas que completos estranhos se sentem livres para comentar rudemente: é um estado tão desagradável (e provavelmente, assim como fumar, é sua culpa) que as exigências sociais de comportamento e tolerância são suplantadas.
Normalmente, nós somos delicados, até mesmo delicados demais, ao falar sobre coisas que consideramos tristes. Não nos permitimos comentar nada sobre muitos acontecimentos tristes. Damos voltas enormes para não falarmos sobre morte, não ter filhos, deformidades e doenças terminais.
Não seria aceitável perguntar a uma pessoa num jantar por que ela é deficiente ou desfigurada. É de se imaginar, eu suponho, que uma pessoa feliz em seu relacionamento acha que qualquer um que esteja sozinho está sofrendo tragicamente. Mas é mais complicado: o tom de Ward não é simplesmente compassivo.
Seus “temores por esses homens” podem parecer, à primeira vista, cuidadosos e gentis; mas ela dissocia a sua própria preocupação de si mesma: não é ela que teme, “teme-se por eles”. Sua simpatia superficial vira rapidamente um julgamento: um homem “de valor” estará em busca de um casamento; caso não esteja, então ele tem “problemas” de sanidade mental, e muito possivelmente é um “sociopata”.
Será possível que ela esteja com medo? No artigo, ela comenta que, em Nova Iorque, de onde ela escreve, há um número maior de mulheres solteiras que de homens solteiros, portanto se ela sente que um parceiro comprometido é necessário para a sensação de bem estar de uma mulher, então ela pode muito bem se sentir ameaçada por homens que queiram algo diferente.
Minha mãe se tornou viúva pouco depois de completar 60 anos. Ela viveu sozinha pelos últimos 25 anos de sua vida. Não acho que ela se reconciliara com seu status de solteira. Ela era amada por muitas pessoas, freqüentemente por pessoas inesperadas. Mas eu acho que ela se sentiu profundamente solitária depois que meu pai morreu, e ela não podia suportar o fato de que eu estava gostando da solitude. Abandonei casamento, na visão dela, e agora estava bem feliz. Isso a consternava – e ela lançava um ataque intermitente, porém consistente, em minha condição moral: eu era egoísta. Era “egoísta” viver por mim mesmo e gostar disso.
Curiosamente, essa é uma acusação bem velha. No quarto século antes de Cristo, quando jovens cristãos entusiasmados estavam deixando Alexandria em camelos para se tornarem ermitões no deserto egípcio, o bispo deles, Basil, enfurecido, questionou: “E, no deserto, vocês lavarão os pés de quem?”
Subentendia-se que, ao procurar suas próprias salvações fora da comunidade, eles não estavam nem espalhando a fé nem estavam assistindo os pobres; eles estavam sendo egoístas. Esse é um tema que surgiu repetidamente desde então, particularmente no século XVIII, mas que atingiu um novo patamar na sociedade contemporânea porque nós não temos a mesma ética elevada do serviço “civil” ou público.
Supõe-se que devamos procurar nossa própria realização, agir sobre os nossos sentimentos, conquistar autenticidade e felicidade pessoal – mas, misteriosamente, não por nossa própria conta.
Hoje, mais do que nunca, essa acusação carrega tanto um julgamento moral quanto uma lógica fraca (ou falha lógica). Eu escrevo uma coluna mensal para o Tablet (uma revista semanal católica), em parte sobre viver sozinho. Num mês eu escrevi sobre como um conflito de deveres pode surgir: quão “(caridosa ou beneficente)” deve tentar ser a aspirante a ermitã em relação às necessidades e exigências de seus amigos?
Pode-se pressupor que um amplo público leitor católico fosse mais simpático à vida solitária, já que esta possui uma tradição tão longa (e respeitada) por trás. Mas eu recebi algumas cartas bem venenosas, incluindo uma de alguém que nunca me conheceu e que, entretanto, se sentiu livre para enviar uma comentário grande e virulento que disse, entre outras coisas:
“Dado que você é uma pessoa sem afeições naturais e com um jeito rancoroso em relação ao outro, provavelmente seria melhor para o resto de nós que você se retraísse em seu próprio mundinho egocêntrico e egoísta; mas você poderia pelo menos ser honesta quanto a isso.”
E ainda assim, não está claro por que é tão moralmente repreensível escolher viver sozinho. É difícil entender exatamente o que as pessoas querem dizer com as várias acusações que fazem, provavelmente porque elas não se conhecem. Por exemplo, a acusação “triste” é irrefutável – não porque ela seja verdadeira, mas porque ela está sempre baseada na suposição de que a pessoa que está dizendo que você é, de fato, profundamente infeliz tem algum conhecimento interior sobre você maior do que você mesmo. Se você disser, “Bem, na verdade não; eu sou muito feliz”, a negação é mantida, para provar o caso.
Dia desses, uma pessoa respondeu, tentando me consolar em minha miséria, quando eu o assegurei de que estava de fato feliz: “você pode pensar que está.” Mas felicidade é um sentimento. Eu não a penso – eu sinto. Eu posso, é claro, estar vivendo uma ilusão e todo o edifício de alegria e contentamento cairá ao meu redor em breve, mas no momento ou estou mentindo ou estou falando a verdade.
As acusações de ser louco ou mau são mais discutíveis. Mas a primeira coisa a estabelecer é o quanto de solitude os críticos dessa prática consideram ser “demais”. Em que ponto nós sentimos que alguém está se transformando num lunático perigoso ou num pecador do mal? Porque é óbvio que existe uma diferença entre alguém que prefere tomar banho sozinho e alguém que vai embora viver em uma terra inabitada na qual só se tem acesso em algumas épocas do ano; entre alguém que diz a um amigo por telefone que não vai se encontrar com a turma porque planejou algo praquela noite, e alguém que cancela todos os compromissos sociais pelos próximos quatro meses para ficar sozinho.
Se você estiver escrevendo grandes livros ou realizando feitos notáveis, é mais provável que admiremos do que critiquemos sua “bravura” e “comprometimento”. A maioria de nós nunca achou que Ellen MacCarthur fosse triste, louca ou má quando ela quebrou o recorde de circunavegação solo em 2005, ainda que em função disso ela tenha ficado completamente sozinha por 71 dias, 18 minutos e 33 segundos.
Não há estatísticas a respeito, mas minha impressão é de que não ligamos se alguém ficar sozinho em ocasiões pontuais – particularmente se a pessoa for visivelmente sociável no resto do tempo – ou por um propósito peculiar e interessante; o que parece nos incomodar são aqueles indivíduos que fazem da solitude parte significativa da vida e ideal de felicidade.
De todo modo, tudo isso é relativo. Eu vivo uma vida solitária, mas Neil, o carteiro, aparece na maioria dos dias. O fazendeiro jovem e alegre que cuida das ovelhas na minha colina passa com o seu quadriciclo ruidoso pelo menos três ou quatro vezes por semana, acenando alegremente. Eu tenho um telefone; eu vou à igreja todo domingo. Tenho amigos e filhos, e freqüentemente eles vêm me visitar.
Pequenas comunidades rurais são inevitavelmente, estranhamente, sociais – eu sei os nomes e algumas coisas da vida de toda e qualquer pessoa que viva a cinco milhas de distâncias de onde eu moro. (Não há nada mais sociável no mundo do que uma estrada de pista única). E mesmo que eu vivesse numa solitude mais profunda, viveria dentro de uma rede de dependências sociais: eu leio livros que são escritos por pessoas; compro comida que é produzida por pessoas e vendidas a mim por pessoas; eu acendo o interruptor e uma rede de energia, que passa por manutenções constantes, manda eletricidade e minhas luzes acendem.
Portanto, é útil perguntar a si mesmo o quanto de solitude é preciso para chegar numa suposta loucura ou maldade; com certeza é útil fazer essa pergunta aos que criticam quem goste de solidão num grau maior que o considerado confortável.
No livro Solitude, Philip Koch tenta fazer com que acusações se tornem argumentos minimamente lógicos e coerentes, para desafiá-los: ele sugere que os críticos do silêncio encontram várias razões para querer que o solitário seja “louco” (ou apresente tendências de loucura).
Solitude não é natural. O homo sapiens é, genética e evolutivamente, um animal de grupo, de coletivo. Todos nós temos uma dinâmica biossocial, de acordo com Paul Hamlos em Solitude and Privacy:
“Compartilhar experiências, a contiguidade de companheirismo e esforço cooperativo face a face sempre foram uma necessidade fundamental e vital do homem (sic)… o indivíduo de uma espécie gregária não pode jamais ser independente e autossuficiente de verdade… A seleção natural assegurou que, enquanto indivíduo, ele terá uma sensação permanente de incompletude.”
Pessoas que não compartilham desta “força de coesão fraternal” obviamente são esquisitos ou doentes.
A solitude é patológica. Psicologia, psiquiatria e particularmente psicanálise insistem que relacionamentos pessoais, idealmente realizados íntima e sexualmente, são necessários para ter saúde e felicidade. Freud deu origem a esta ideia e ela tem sido consistentemente mantida e desenvolvida por teóricos do apego (como John Bowlby) e particularmente por teóricos da relação de objetos (como Melanie Klein) – e essa ideia tem sido mantida e ensinada no decorrer da disciplina. (Isso talvez possa corroborar a ideia de que você não é “realmente” feliz por sua própria conta. Uma vez que você precisa de outras pessoas para estar mentalmente bem, então pensar que você é feliz sozinho é necessariamente um engano.)
A solitude é perigosa (e gostar dela é masoquismo). É fisicamente perigoso, porque se você sofrer um pequeno acidente não haverá ninguém para resgatá-lo, e é fisicamente perigoso porque você não tem avisos comuns no dia-a-dia: ninguém vai perceber os primeiros sinais de alerta.
Estes três argumentos são baseados em suposições que – sendo eles corretos para todas as pessoas em todos os tempos – certamente precisariam ser respondidas. Eu pessoalmente acho (e não sou ao única) que eles não estão corretos e não dão espaço para diferenças individuais.
Os argumentos “morais”, contudo, ao menos como Koch os define, são bem mais absurdos. Esse segundo grupo de contras à solitude tendem a ser exatamente o oposto do primeiro grupo.
A solitude é auto-indulgente. A dedução aqui é a de que ela é hedonista e egoísta – que, de alguma forma, a vida solitária é automaticamente mais feliz, mais fácil, mais divertida e com menos probleminhas sem os relacionamentos sociais sérios, , e que em público todo mundo está exercitando, ao menos comparativamente, uma nobre auto-disciplina e firmeza moral, e gastando horas do dia no trabalho miserável e altruísta de servir as necessidades de seus vizinhos.
A solitude é escapista. Pessoas que gostam de ficar sozinhas estão fugindo da “realidade”, negando o esforço de “se comprometer” com a vida real e, ao invés disso, vivem num mundo meio que de fantasia. Eles deveriam “se aprumar”, cair na real, se ajeitar. Mas se a vida social é tão natural, saudável e contente como a sociedade contemporânea insiste, por que alguém deveria “escapar” dela?
A solitude é antissocial. Bem, é claro que é – esse é o ponto. O argumento é tautológico. Mas “antissocial” é um termo que carrega uma condenação moral mais implícita que explícita; trata-se claramente de uma “coisa ruim”, mas sem explicar nada do que isso significaria. Na verdade, isso tudo quer dizer que “a solitude é preferir estar sozinho a estar com outros/eu [quem está falando] e eu estou magoado”. É verdade, mas se baseia na suposição de que estar sozinho é auto evidentemente uma coisa ruim, e, da mesma forma, ser social é auto evidentemente uma coisa boa.
A solitude se esquiva da responsabilidade social. Isso insinua que todos nós temos algo chamado de “responsabilidade social”, sem definir o que isso é ou do que se trata, mas o que quer que seja, por alguma razão obscura, não é passível de ser feita por uma pessoa que é – pelo tempo que for – sozinha.
Agora, claro, mesmo aqui, há algumas discussões interessantes a fazer. O que relacionamentos pessoais provém exatamente que nenhuma outra coisa pode prover? Poderia, por exemplo,Anthony Storr estar certo sobre o trabalho criativo oferecer uma alternativa compensatória ou mesmo uma melhor gratificação? Ou um senso de propósito? A solitude pacífica e feliz de algumas pessoas poderia funcionar como um antídoto, ou mesmo um equilíbrio, às atividades sociais frenéticas dos outros?
O que é, exatamente, nossa responsabilidade social em uma sociedade na qual a maioria das pessoas se sente impotente? Como funciona o multiculturalismo com relação a indivíduos em oposição a grupos? Por que outras pessoas alegarem que são felizes de um jeito diferente provoca tanta ansiedade – e por que esta ansiedade é tão comumente expressada como julgamento e condenação, em vez de preocupação genuína?
Como uma sociedade escolhe quais problemas se permite julgar, se ela não tem noção clara de bem último? E, acima de tudo, por que essas conversas não estão acontecendo?
Acredito que seja por causa do medo. O medo paralisa a criatividade, anula a imaginação, reduz a capacidade de resolver problemas, prejudica a saúde, esgota as energias, suga a inteligência e destrói a esperança. E não é muito animador.
O medo confunde; é difícil pensar claramente quando você está assustado. Quando estamos amedrontados, tendemos a projetar o medo em outras pessoas, freqüentemente na forma de raiva: quem parece diferente começa a soar ameaçador. E o problema é que essas projeções “grudam”. Se você disser, muitas vezes, à outras pessoas que elas são infelizes, incompletas, possivelmente insanas e definitivamente egoístas, vai chegar num ponto em que, numa manhã cinzenta e fria, elas vão acordar sentindo um frio desagradável, imaginando se não são solitárias em vez de apenas “sozinhas”. Há um fenômeno contemporâneo que piora o problema: a mídia faz dinheiro através do medo.
Você pode ter notado que o Reino Unido vive ondas de doenças fatais – ainda que, proporcionalmente, muito poucas pessoas de fato peguem essas doenças. Uma “doença da mídia” de sucesso tem critérios bem particulares – entre outras coisas, ela tem de ter um nome oficial muito complexo e um outro bastante popular: encefalopatia espongiforme bovina (e sua contraparte humana, a Doença de Creutzfeldt-Jakob) OU vaca louca. A doença também deve ser terminal, mas rara (a Doença de Creutzfeldt-Jakob somente ocorre de 1 em 1 milhão de pessoas por ano, no mundo inteiro, e a maioria desses casos não tem ligação nenhuma com carne contaminada), de modo que é muito improvável que os leitores vão contrair a doença.
Doenças são bem fáceis de manipular com o objetivo de disseminar o tipo de certo de medo – o tipo que vende jornais. E há outros medos para brincar. No momento, um terror muito popular inspirado pela mídia é a ameaça do “solitário”.
Era uma vez, e não há muito tempo, a palavra “só” tinha conotações bastante heróicas e aventureiras: o Cavaleiro Solitário não era triste, louco ou mau; o Estado do Texas, nos EUA, adotou seu sobrenome livre e orgulhosamente – o Estado do Cavaleiro Solitário. Mas se você procurar por “solitário” na Wikipédia [nota do editor: mantivemos a fonte original, em inglês], encontrará essa lista de termos relacionados:
- Transtorno de personalidade esquiva
- Autismo
- Herói Byroniano
- Família disfuncional
- Ermitão
- Hikikomori
- Introversão
- Solidão
- Lobo
- Solitário (característica)
- Depressão nervosa
- Misantropia
- Recluso
- Transtorno de personalidade esquizóide
- Fobia social
- Rejeição social
- Solitude
- Herói trágico
Eu pus em itálico os quatro termos que não se relacionam diretamente com “triste, louco ou mau”, embora o contexto da lista levante questionamentos até sobre eles – é OK ser “introvertido”? Seriam os ermitões na verdade uns loucos? A solitude se parece com a depressão nervosa? Os heróis byronianos são solitários? Mas o mais interessante são as ausências: aventureiro, delicado, místico, gênio criativo, enlutado, rejeitado/Crusoé, vítima de confinamento solitário, andarilho.
Greta Garbo foi uma solitária famosa, embora, com efeito, ela nunca tenha dito “eu quero ficar sozinha” (a bailarina russa Grusinskaya, que Garbo interpretou em Grand Hotel, disse). Ela foi uma grande atriz: o historiador de filmes David Denby escreveu em 2012 que Garbo introduziu uma sutileza de expressão à arte da interpretação muda, e o seu efeito na audiência não se pode subestimar. “Mundos giravam a seus movimentos.” Ela foi bem-sucedida o bastante para se aposentar aos 35 anos, depois de fazer 28 filmes.
Perto do fim de sua vida – e ela viveu até os 85 – contou a Sven Broman, seu biógrafo sueco (com quem trabalhava em conjunto), que “estava cansada de Hollywood. Eu não gostava do meu trabalho. Houve vários dias em que tive de me obrigar a ir ao estúdio… Eu realmente queria viver uma outra vida.” E assim ela fez.
Na aposentadoria, ela adotou um estilo de vida de simplicidade e lazer, de vez em quando apenas “se deixando levar”. Mas ela sempre teve amigos próximos com os quais socializara e viajara. Ela não se casou, mas teve casos amorosos sérios com homens e mulheres. Ela colecionava arte. Caminhava sozinha e com colegas, especialmente em Nova Iorque. Era uma habilidosa fujona de paparazzi. Uma vez que ela escolheu se aposentar, e pelo resto da vida consistentemente negar oportunidades de fazer mais filmes, é razoável supor que ela estivesse contente com essa escolha.
É evidente que grande parte das pessoas, pelas mais diferentes razões, através da história e das culturas, tenha buscado a solitude no mesmo grau que o fez Greta Garbo, e depois de experimentar este estilo de vida por um tempo manteve sua escolha, ainda que tivesse oportunidades perfeitas para viver vidas mais sociais. Na média, essas pessoas não se transformam em serial killers esquizofrênicos, pedófilos predadores ou monomaníacos do mal. Alguns deles, na verdade, se transformam em grandes artistas, em pensadores criativos e em santos – contudo, nem todo mundo que gosta de viver sozinho é um gênio, e nem todos os gênios gostam de viver sozinhos.
Nota do editor: Este texto é um trecho do livro “How To Be Alone“, lançado pela The School Of Life, publicado no The Guardian e traduzido por Gustavo Santana com autorização da autora.
SARA MAITLAND
Novelista e escritora de histórias curtas. Autora do livro "How to be alone", lançado pela The School Of Life.