Alex Castro - vou mudar. Mas, não hoje

Quem perpetrou os piores crimes & maiores massacres da história? Os obededientes ou os desobedientes? De qual lado queremos estar?
Se o meu filme ou livro preferido é sobre largar tudo & ir morar no mato, mas eu nunca larguei tudo & fui morar no mato… o que isso diz sobre mim?
Um gênero narrativo que deveria ter nome mas não tem:
“Obras protagonizadas por personagens pretensamente rebeldes & subversivas, feitas sob medida para se tornarem as obras favoritas de pessoas reprimidas & cooptadas que dizem amar a obra acima de tudo, mas nunca mexem a bunda da cadeira para fazer nada parecido com as personagens rebeldes & subversivas que tanto dizem admirar.”
Principais expoentes: na literatura, “O apanhador no campo de centeio”; no cinema, “Sociedade dos poetas mortos”, “Beleza americana”, “Na natureza selvagem”.
o que nunca fazer.
Se eu consumo uma obra sobre enfiar o dedo na tomada & levar choque, e digo adorar tudo, é minha obra preferida!!, mas depois disso nunca mais na vida eu enfio o dedo na tomada (pois já sei que vou fatalmente levar um choque!), então essa é uma obra profundamente conformista & conservadora.

Se ela é vendida & recebida, percebida & celebrada, como uma obra “rebelde” & “original”, “corajosa” & “libertadora”, etc & etc, então além de conformista & conservadora, ela é perigosa & traiçoeira.
péssimo professor.
Por que precisamos tanto de ver nossos ídolos & nossos rebeldes se fudendo? Por que, como crianças em busca de segurança, fazemos questão de ouvir repetidas vezes essa mesma narrativa? Por que ela é tão popular? Qual é o vazio que ela está preenchendo? Qual é a necessidade que ela está atendendo?
Condenamos nossos ídolos a morrer por nós, pois só assim podemos suportar nossas vidas de não-ídolos.
Se passamos nossa vida inteira nos sacrificando para seguir as regras e, enquanto isso, uma outra pessoa quebra todas as regras, e ainda por cima se dá bem, ganha mais dinheiro, consegue mais sucesso, etc, é como se nossa vida inteira tivesse sido uma mentira. Como se tivéssemos recalcado nossos desejos, mutilado nossa liberdade, reprimido nossa sexualidade, por nada. Otárias.
Então, quando o ídolo voa tão alto que derrete as asas e se espatifa no solo, toda a sociedade solta um suspiro coletivo de alívio. Agora, podemos dormir tranquilas: nossa decisão de desfazer a banda e cursar ciências atuariais foi mesmo a mais acertada.
“Imagina, eu poderia ter acabado assim! Ufa!”
A sociedade, o governo, o mercado, a igreja, ninguém quer que mudemos nossas vidas.
Aliás, nem nós mesmos queremos mudar nossas vidas: o que queremos é só sentar no sofá, com uma Coca-cola e um pacote de Doritos, e ver filmes sobre pessoas que tentaram mudar suas vidas e se fuderam. Haha, quem é a otária agora?
A queda do rebelde redime a nossa própria mediocridade.
insira holden caulfield aqui.
Não há uma conduta que possa ser considerada crime ou mesmo imoral em qualquer cultura. Somente a desobediência à norma possui a universalidade necessária para tamanha popularização do mito. … Lúcifer não foi um homicida serial, um sádico torturador ou um maníaco sexual. Nenhuma destas condutas o teria tornado o símbolo da maldade. Lúcifer desobedeceu a uma norma; desafiou o poder hegemônico; recusou-se a obedecer àquele que tudo vê, tudo sabe, tudo pode. É isso que faz dele o símbolo da maldade. …
A rebeldia se transforma em maldade. Paralelamente a esta transformação simbólica do arquétipo da resistência em símbolo da maldade, ocorre também a transformação do arquétipo do controle no símbolo da bondade. Deus é bom, por inventar as normas. A bondade é corolário do poder, do saber e do ver.
O mito da queda de Lúcifer é a passagem simbólica que marca a invenção da ética nas sociedades ocidentais. O bem se confunde com o controle; o mal com a resistência. O mito de Lúcifer é também o mito da legitimação do poder.
E se o diabo for o mocinho?
E se o diabo for o mocinho?
Há muitos anos atrás, eu odiava sair de casa todo dia de manhã, de barba feita e fantasiado de executivo, para trabalhar o dia inteiro vendendo minha energia vital para realizar os projetos de outras pessoas.
Mas pensava: “O errado deve ser eu. Afinal, todo mundo faz isso. Se essas pessoas conseguem, eu também consigo.”
E lá ia eu me torturar mais um pouco.
Um dia, uma pequena mudança de foco fez toda a diferença.
Ao invés de olhar para as pessoas que já tinham se acostumado a tolerar as torturas que ainda me atormentavam, desviei minha mirada para as pessoas que viviam vidas diferentes, mais livres, mais abertas, mais bonitas, e pensei:
“Se ELAS conseguem, eu também consigo!”
"eu nunca disse isso" buda.
“eu nunca disse isso” buda.
O objetivo final de qualquer jornada significativa, seja ela artística ou espiritual, é sempre virar a sua vida de cabeça pra baixo.
Se você fez uma viagem espiritual ao Tibete, trouxe de volta uma estátua de Buda pra sua sala(que daria pra alimentar uma família por meses), e depois sua vida continuou igual… sinto muito, mas não funcionou.
ovelhinhas.
Antigamente, quando alguém me dizia “o livro tal mudou a minha vida!!”, eu, que adoro histórias de mudança de vida, perguntava, empolgado:
“Mudou? Puxa, que legal. Exatamente O QUÊ você mudou? COMO você está vivendo de forma diferente?”
Para minha surpresa, as pessoas reagiam com horror ao meu questionamento. Não tinham resposta. Ficavam constrangidas. Algumas se sentiam atacadas. Claramente, eu estava quebrando um script muito bem ensaiadinho.
Hoje em dia, para não causar constrangimento, não faço mais essa pergunta. Já sei a resposta.
Seja rebelde. Use nossa marca!
Seja rebelde. Use nossa marca!
Sair da casa dos pais, abdicar do circo de consumo, não sacrificar sua vida em holocausto ao mercado de trabalho, parar de comer cadáveres, ser menos egocêntrico, praticar a generosidade e a empatia, etc etc, são todas atitudes que demandam tempo, trabalho, esforço, determinação.
Mas nós não queremos mudar nossas vidas. Nosso narcissismo (e somos todas narcissistas) é refratário a qualquer mudança. Mudar dá trabalho. O que a gente quer é comprar uma identidade através do nosso consumo.
Queremos continuar morando em Pinheiros na casa de mamã (que traz café da manhã pra gente na cama), continuar indo sozinho num jipão utilitário até a agência em Moema (os ônibus são péssimos nessa cidade), continuar convencendo os outros a consumir mais em troca de quinze pau por mês (na agência tem até pebolim!), e então, à noite, na TV tela plana de mil polegadas, ver e rever meu filme favorito, sobre o moço que largou tudo e foi morar no meio do mato.
Ah, um dia… Um dia, eu vou, hein!
Ou, nas palavras de Agostinho de Hipona, santo padroeiro dos hipócritas e dos hipsters de boutique:
"Não se esqueça de comer direitinho e de criar confusão."
“Não se esqueça de comer direitinho e de criar confusão.”
Escrevo não para convencer ninguém, mas para mostrar às pessoas que pensam como eu que não estão sozinhas. Que é possível ser livre.
Mas ser livre não é fácil. Fácil é assistir filmes sobre pessoas livres.
* * *
Há doze anos, escrevo sobre aquilo que chamo de “As Prisões“:
São as bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida. são as ideias pré-concebidas, as tradições mal-explicadas, os costumes sem-sentido.
Comecei a questioná-las uma a uma: verdade // dinheiro // privilégio // sexismo // racismo // monogamia // religião // patriotismo // escolhas // respeito // certezas // os outros // medo // ambição // felicidade // narcissismo.
Nos últimos meses, tenho viajado o Brasil falando sobre As Prisões. Uma conversa experimental, sempre no fim-de-semana, um espaço livre para todos compartilharem suas histórias, para todas as certezas serem chacoalhadas. As próximas são em São Paulo e no Rio de Janeiro, em março, e em Curitiba, Belo Horizonte, Belém e Vitória, em maio de 2014.
Para mais detalhes, vídeos, depoimentos de quem foi, roteiro completo da palestra, tudo isso, veja aqui.
Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // todos os meus textos são rigorosamente ficcionais. // se gostou, mande um email, me siga no facebook, compre meus livros, faça uma doação ou venha às minhaspalestras. e eu te agradeço.

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