Crônica semanal de A. Capibaribe Neto

A melhor bússola
Uma bússola do meio do nada só indica o Norte e a direção que contrapõe a ele. No meio do nada, é impossível saber o que existe nesse Norte se não se tem noção do que existia ali quando se perdeu. Quem, não se lembra do pavor que era, quando criança, se perder da mãe em plena Praça do Ferreira. E hoje mesmo, em uma praia, um clube que seja ou qualquer lugar...
Já adulto estive perdido assim e foram várias vezes. Brasil afora, no meio da mata; na Itália, Islândia, em Tállin. E não podia demonstrar pavor, cara de assustado, pagar mico, dizer pura e simplesmente "estou perdido!" "Pra onde o senhor quer ir?" - e se eu não soubesse? Saí por aí muitas vezes caminhando na direção de um nascente qualquer ou de um poente preguiçoso. Ia em busca de uma luz especial, uma sombra, não para descansar, mas para inseri-la no contexto dessa luz que havia encontrado, dando especial forma a um rosto, a uma paisagem, um beco, um portal, uma criança, uma ruga.
Certa vez, eu me perdi na terra de Papai Noel, nos confins da Finlândia, caminhando por uma trilha da floresta de eucaliptos. O silêncio era de doer nos ouvidos, mas era um silêncio mágico que atraía, que envolvia e, depois de muito caminhar, não sabia mais de onde tinha vindo nem como fazer o caminho de volta.
Senti um aperto no peito, uma verdadeira sensação de estar perdido em um lugar extremamente longe demais: a Laplândia, onde se fabricam os brinquedos das crianças do mundo inteiro que acreditam em Natal...! Não carregava uma bússola, não tinha noção de nada e o caminho que me trouxera até ali se cruzava com muitos outros... Eram rastros de trenós. E aí, parei.
Olhei para um lado, para o outro. Acima de mim, um céu de estrelas brilhantes como jamais houvera visto em toda a vida. Estavam todas fora de lugar. A estrela que indicava o Norte não indicava mais nada. Eu já estava no Norte. E o Cruzeiro do Sul? Nada. A sensação de estar perdido era mais sufocante ainda por não escutar o som de absolutamente nada...
De repente, o uivo distante de um lobo. Onde eu fora me meter? Imagine-se dentro de um enorme salão bebericando uma boa taça de vinho... E aí, tudo fica às escuras. Onde estaria uma mesa para pousar a taça? Onde estaria a garrafa do vinho? Onde estaria o rosto simpático que congelou na nossa memória justo quando tudo escureceu? Ora, dentro em breve, estaríamos vendo a mesa, a garrafa e até o rosto, mas o céu não acende suas luzes quando não é noite de Lua.
Lembro que ri. Não sei de que, mas ri. Talvez debochando de mim mesmo. E agora? Quando saíra do hotel, a temperatura era de 26 graus abaixo de zero. Se ficasse parado, poderia congelar. E antes que o pavor desse lugar ao desespero, uma cortina de luzes verdes começou a se agitar no firmamento. A Aurora Boreal começara seu espetáculo naquela noite especial! Podia até morrer, mas morreria assistindo a um dos maiores espetáculos da Terra. E pensei: a Aurora Boreal acontece no Norte, então, ali era o Norte. Basta voltar na direção contrária. E voltei feliz para o Sul...