Crônica semanal de Luis Fernando Veríssimo


O Chico Caruso — cartunista, chargista, cantor e cômico — conta a anedota com perfeito sotaque alemão. Numa cervejaria lotada da Munique atual as pessoas vão pouco a pouco se dando conta da presença de uma figura conhecida entre eles. Será mesmo quem estão pensando? Não pode ser. Mas é: Adolf Hitler está ali! Começa, a princípio baixinho, mas depois aumentando de volume, um coro: “Volta, volta...”

Hitler resiste, mas, finalmente, o clamor se torna irresistível. Ele, então, se ergue, pede silêncio, e declara:
— Está bem, eu volto. Mas desta vez não vou ser bonzinho não!
Uma versão ampliada da anedota deu num romance chamado “Ele está de volta’’, do filho de mãe alemã e pai húngaro Timur Vermes, que fez sensação na Alemanha e está fazendo o mesmo no resto do mundo. Já existe uma tradução em português.
No romance, narrado na primeira pessoa, Hitler inexplicavelmente volta à vida — nem ele sabe explicar como — e encontra uma Alemanha em plena crise moral, com uma juventude imbecilizada pela televisão, YouTube, reality shows e similares, invadida por raças escuras que no seu tempo eram caçadas como inferiores — e governada por uma mulher! Hitler tem uma solução radical para todos os problemas da Alemanha e o romance acaba com ele sendo cortejado por vários partidos para voltar à política.
Timur Vermes escreveu uma sátira histórica (a ascensão do nazismo e os anos de vigência do Terceiro Reich são recontados do ponto de vista do ex-führer redivivo) e política, mas ela também pode ser lida como nostalgia disfarçada.
Na França, faz sucesso parecido com o do livro do Vermes um filme intitulado “O que foi que fizemos ao bom Deus?”, sobre a família de um católico conservador cujas quatro filhas se casam, respectivamente, com um judeu, um muçulmano, um asiático e um negro, para desespero dos pais. No fim, tudo acaba bem e o filme é uma cálida lição de tolerância — ou não é.
Há quem o veja como um alerta contra o multiculturalismo e a miscigenação. Tudo depende da identidade ideológica de quem o vê. O crítico do “Le Monde’’ disse que o filme parece feito de encomenda para a Frente Nacional, xenófoba e reacionária. Já o crítico do direitista “Le Figaro” adorou.
O livro “Ele está de volta’’ termina com a criação de um slogan para Hitler usar na sua campanha eleitoral. O slogan é “Não foi tudo ruim’’.

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