A descoberta recente da desapropriação de uma fazenda da família Neves, em Cláudio-MG, pelo Governo de Minas, na gestão Aécio Neves, para a construção de um aeroporto, causa espécie pelos contornos do fato em si e desnuda a cultura do atraso das elites tradicionais na gestão da coisa pública, em nosso País: patrimonialismo medieval, corrupção e coronelismo, tão bem dissecados por Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e Raimundo Faoro (Os Donos do Poder).
Por Jandira Feghali*
Charge do Latuff publicada no jornal Sul 21.
Do ponto de vista jurídico, a desapropriação de uma propriedade ocorre quando assim o justifica o interesse público, momento em que o Estado assume a propriedade particular, mediante o pagamento de um preço justo e prévio. É uma intervenção excepcional do Estado, cujo interesse público deve estar bem delineado, a partir dos parâmetros orientados pelos princípios constitucionais da administração pública, dentre eles o da eficiência, impessoalidade e moralidade administrativa. Salta aos olhos a inexistência, sequer de longe, de alguns desses elementos no episódio em questão.
A obra custou R$ 14 milhões, aí incluído R$ 1 milhão destinado à indenização da família Neves, pela desapropriação. O município de Cláudio fica a menos de 150 km do Aeroporto Internacional de Confins, em Belo Horizonte . A menos de 50 km dali se encontra Divinópolis, cidade de maior porte e que já possuía seu aeroporto, quando da construção do aeroporto familiar. Também descobriu-se que a empresa contratada para a obra foi doadora das campanhas de Aécio e Anastasia, em Minas.
Ao perguntar, na prefeitura de Cláudio-MG, como seria possível a utilização de tal aeroporto, um repórter do Portal Carta Maior foi instruído a procurar por Múcio Tolentino, tio-avô do Aécio (que também é ex-prefeito): “o aeroporto é do Estado, mas fica no terreno dele”, “é Múcio que tem a chave”, foi a resposta do chefe de gabinete do atual alcaide. As palavras do próprio Múcio, em conversa telefônica com o jornalista, revelam a ausência de pudor dessa gente, que normaliza a promiscuidade histórica das elites brasileiras, na apropriação privada do que é público, na melhor caricatura do coronel das cidades de interior: “ele fica dentro de nossa fazenda”, “o aeroporto está no final do processo, mas, para todos os efeitos, é nosso”. Disse, ainda, que Aécio o utiliza “seis ou sete vezes por ano”, quando visita seus familiares.
A naturalidade com que são proferidas as declarações acima, bem como a desfaçatez e cinismo do candidato a chefe maior da nação em explicar o inexplicável, são elementos evidentes de que a roupagem de modernidade, ficção de marketing da campanha Aécio Neves, propalada raivosamente pela oposição no parlamento brasileiro, guardam dentro de si a cultura do coronelismo, do favorecimento, do patrimonialismo, enfim, do atraso colonial que o Brasil tem se esforçado muito para deixar para trás. Essa imagem não decola mais. E o povo brasileiro não permitirá que ultrapasse as cercas da Fazenda Neves.