Alfredo achava que uma esposa devia ser “trabalhadeira” como ele, e uma mãe presente para os filhos. Diferente de sua mãe, uma mulher fútil e uma mãe ausente. Ela vivia às turras com o marido que se queixava da falta de apoio da esposa. Os ideais de casamento de Alfredo construíram-se, portanto, em oposição às más experiências que teve em casa quando criança.
Letícia, ao contrário, admirava o pai que era um cavalheiro e provedor, que se dava muito bem com sua mãe, uma elegante senhora dedicada à vida em alta sociedade e a obras de caridade. Leticia imaginava ter um marido dedicado à esposa, tal como seu pai fora para sua mãe. Queria que Alfredo assumisse todas as zeladorias da vida (da declaração de imposto de renda e conserto do carro, ao planejamento das viagens). Não aceitava ter que cuidar dos filhos em período integral, precisava de tempo para encontrar amigas, ir à academia e fazer compras, e delegava a educação das crianças a duas babás, tal como sua mãe fizera.
Como você pode imaginar divergências nas Concepções de casamento causam reações emocionais intensas, e Alfredo e Leticia viviam indignados um com o outro. Também divergiam sobre os direitos e deveres de sogra. Alfredo achava que a mãe de Letícia não deveria ter a chave de sua casa, e Leticia, muito ligada à mãe, acreditava ser normal a mãe ter livre acesso à sua casa e opinar sobre a educação dos seus filhos.
Mas, apesar da indignação que divergências sobre concepções de casamento causam, este é um item com grandes possibilidades de ser ajustado entre vocês. E por que? Porque diferenças sobre direitos e deveres de marido e mulher são, em grande parte, disputas conceituais (de valores e concepções). E por incrível que pareça a prática mostra que nossas convicções conceituais são mais fáceis de mudar, pois respondem mais facilmente a ponderações. Ou seja, aos poucos, argumentos sensatos e uma visão moderna podem ser aceitos (quando é muito difícil, um terapeuta de casal pode ajudar muito). Ao contrário de divergências de gosto e interesses, que raramente mudam por causa de argumentos e ponderações.
Foi o que aconteceu com Letícia e Alfredo. Ela, por exemplo, conversando com amigas e com uma terapeuta, entendeu que o modo atual de educar filhos exige mais a presença tanto da mãe como do pai, ou seja, que a educação atual implica relações de afeto intensas entre pais e filhos. Também compreendeu que o homem moderno nem sempre segue o modelo que ela conhecia do seu pai, de marido provedor e cavalheiro.
Alfredo, por sua vez, entendeu que Letícia não era por temperamento adequada para maternidade, e que ela tinha sido criada para ser uma “princesa”, não mãe e não mulher trabalhadeira “pau para toda obra”.
Embora, Letícia não tivesse condições de mudar em todos aspectos, ela entendeu que alguma coisa ela teria de mudar. Ele também percebeu que estava demasiado focado em trabalho, deveres e em poupar dinheiro, deixando pouco espaço para lazer e romance. Ambos conseguiram, aos poucos, negociar um novo pacto de casamento, redefinindo papeis de homem e mulher e direitos e deveres de marido e mulher.
Portanto, se vocês tiverem divergências sobre os papeis de cada um no casamento, saiba que por mais terríveis que pareçam as brigas e por mais intransigente que pareça seu parceiro, vocês têm grande chance de se acertarem. Desde que consigam conversar com calma e aos poucos, negociando novas possibilidades. Se não conseguirem fazer isso sozinhos, um terapeuta de casal provavelmente poderá ajudá-los.
* Luiz Alberto Hanns - terapeuta com mais de 20 anos de prática clínica e autor de “A Equação do Casamento -- O que pode (ou não) ser mudado na sua relação” (Paralela). Na coluna “Vida a Dois”, ele fala sobre os desafios da vida em casal.