Eleição presidencial 2014 - o candidato oculto


Terminada a Copa do Mundo a presença recorrente do  noticiário negativo  sobre a economia brasileira  volta  a dominar as manchetes e escaladas da emissão conservadora.

O país , de fato, tem problemas estruturais a debater. A engrenagem econômica se ressente de mortífera sobrevalorização cambial. Ela inibe exportações e transfere demanda para o exterior.

As contas externas , ademais, sofrem com a erosão nas cotações das commodities e o salto nas remessas  de lucros e royalties (mais de US$ 33 bilhões em 2013). O parque industrial, defasado tecnologicamente, vê cadeias produtivas serem esfareladas pela invasão dos importados.

A expansão da infraestrutura  ainda carece de um modelo que aperfeiçoe  projetos e proteja as urgências nacionais das tenazes de  embargos e interditos  que impedem a  aceleração das obras e explicam   prazos e custos sempre rompidos. 
Tudo isso é verdade.

Mas não é a motivação verdadeira  que impulsiona o jornalismo do ‘Brasil aos  cacos’.

O que interessa a ele, de fato, é obstruir a formação do discernimento coletivo  sobre  o que é essencial na superação desses gargalos.

O essencial debate-se entre duas lógicas.

De um lado,  a lógica de um poder econômico que rejeita a infiltração  da soberania popular no metabolismo de um  Estado brasileiro, sempre refém da hegemonia absoluta das elites.

De outro, uma aspiração crescente por cidadania plena da parte de amplas camadas da população.

Em alguma hora elas  terão que se deter diante da  pergunta chave do futuro nacional.

Que democracia  é necessária para que a sociedade possa vencer a transição entre uma economia pensada para 1/3 da população, e aquela requerida agora que o mercado de massa atingiu uma escala estruturante no país?

Ao contrário do que sugere a pregação midiática contra o ‘intervencionismo da Dilma’, o desafio reside justamente em construir alternativas à matriz anacrônica da liberalização e da desregulação econômica  –-panaceia conservadora que sonega  consistência estrutural a qualquer projeto de desenvolvimento.

Isso já era verdade na reunião de Bretton Woods, em 1944.

Um certo John Maynard Keynes disse, então, que mesmo nos marcos do capitalismo (que afinal era o seu foco), nenhum Estado soberano poderia servir a três senhores  ao mesmo tempo.

A saber: a liberdade de capitais; o livre comércio e a autonomia da política monetária – leia-se, a renúncia ao controle da taxa de juro, variável decisiva de um ciclo de investimento.

Vivemos há seis anos o maior colapso do capitalismo desde 1929, obra-prima do credo no Estado mínimo, associada à delegação suicida  do destino da sociedade aos mercados ‘autorreguláveis’.

A desordem financeira mundial não cederá tão cedo, nem tão facilmente.

A consciência dessa travessia histórica é um dado fundamental para a ação política em nosso tempo.

O movimento estrutural de expansão do capital financeiro, cuja supremacia determina a dinâmica de uma  economia mundial em crise ,  impõe dramáticos constrangimentos à soberania da sociedade para planejar seu destino e o destino do seu desenvolvimento.

Não há economicismo nessa constatação.

A política contribuiu de maneira inestimável para o modo como essa lógica se impôs, a velocidade com que ela se consolidou, a virulência de sua hegemonia e a brutal agonia da decadência atual.

A espoleta da maior crise do capitalismo desde 1929 foi o recuo desastroso do controle da Democracia sobre o poder do Dinheiro. O desmonte das travas regulatórias do sistema bancário foi  o seu vetor.

Recuos e derrotas acumulados pela esquerda mundial desde os anos 70, sobretudo a colonização de seu arcabouço programático pelos valores e interditos neoliberais, alargaram os vertedouros para o espraiamento de uma dominância financeira , cuja presença tornou-se ubíqua em todas as esferas da vida humana. 
A queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, sancionou  a supremacia da ordem regressiva.

Recolher esse caudal selvagem aos diques preexistentes  é tão plausível quanto vencer a  seleção alemã com um ataque formado por Jô e Fred.

A sociedade que cedeu   soberania ao suposto poder autorregulador dos mercados perdeu as ferramentas institucionais  capazes de  gerar antídotos às degenerações intrínsecas a essa renúncia.

O Brasil, por exemplo,  perdeu grande parte do poder indutor sobre a economia  exercido por estatais que foram majoritariamente privatizadas.

A democracia terá que reinventar-se para que a retomada desse poder de iniciativa  se recoloque no horizonte da ação política pelo desenvolvimento. 

A urgência dessa  reinvenção é a agenda subjacente ao debate eleitoral que começa a partir de agora.

O campo progressista não pode negligenciar a existência de um candidato oculto trabalhando em tempo integral pela sua derrota.

O governador Tarso Genro, em artigo recente nesta página, deu a esse candidato ubíquo o nome de ‘A Internacional do Capital Financeiro’ .

O economista Márcio Pochmann debruçou-se  sobre esse palanque invisível  no texto ‘Dominação financeira e suas contradições’.

Carta Maior  considera que o aprofundamento desse debate é  oportuno e imprescindível para que o próprio campo progressista  forme um discernimento mais  claro e preciso do que está em jogo nestas eleições. 

Esse é o propósito do Seminário Virtual ‘A internacional do  Capital Financeiro’ que estará presente em sua  página a partir de agora, com a participação  de alguns dos mais importantes intelectuais brasileiros.

Conhecer o candidato oculto do palanque conservador não é um exercício diletante.
Trata-se de um dos requisitos à vitória,  não apenas de uma candidatura, mas de uma agenda progressista  consequente  em outubro.

A ver.

by Saul Leblon