O país ainda tinha ilusões com a seleção na Copa e talvez por isso não se tenha dado muito atenção a uma entrevista que o ex-presidente Lula concedeu no fim de junho ao SBT. O petista falou com uma franqueza rara entre políticos sobre como ele se vê.
“Eu sei da importância política que eu tenho no Brasil, sei da representatividade que eu tenho no Brasil, tenho consciência disso. Não sou humilde de falar 'eu sou um coitadinho'. Não sou um coitadinho não, eu tenho muito força política.”
Convicto do próprio estofo - e certas pesquisas dão razão à crença, apontando-o como o preferido à Presidência -, Lula voltará à cena nacional não só agora, na campanha por Dilma Rousseff, mas a partir de 2015, seja quem for o vitorioso na eleição. Se a petista perder, ele será o general a tentar juntar as tropas governistas, nunca entusiasmadas pelo comando de Dilma, já pensando na eleição seguinte. Se triunfar, ele logo se colocará como uma perspectiva de poder em 2018, para evitar que o tema “sucessão de Dilma” rache o governismo e enfraqueça a nova gestão dela.
Em caso de reeleição, a volta de Lula também trará desafios, e até problemas, para Dilma e sua relação com ele. A presidenta terá de conviver com uma situação inusitada, talvez sem paralelo na história brasileira. Ocupará o posto mais alto da nação sem ser a principal liderança política. Uma sinuca de bico que poderia haver ocorrido já no atual mandato, se o ex-presidente não tivesse se recolhido para evitar competir com a sucessora ou alimentar o coro do “Volta Lula”.
Com Dilma em segundo mandato, diz um conselheiro de Lula, o ex-presidente cotidianamente estará na mídia ou em espaços mais reservados falando o que pensa. Defenderá ideias, projetos, posições, ações mesmo em temas que o governo preferisse evitar ou estivesse inclinado em outra direção. Será uma espécie de “pauteiro”, constrangendo o Palácio do Planalto a agir em algum assunto, interferindo no rumo de medidas debatidas no governo ou cobradas por algum setor da sociedade, opinando sobre decisões oficiais sem se sentir obrigado a concordar.
O grande exemplo do embaraço que espera por Dilma virá com um tema que se tornou uma obsessão para Lula, a democratização dos meios de comunicação frutos de concessão pública. Ou seja, TV e rádio. O ex-presidente deixou o Planalto em janeiro de 2011 convencido de que a mídia silencia o governo e censura as ideias que se chocam com as de seus donos e aliados, como a oposição e o “mercado”. Para que haja mais pluralidade na comunicação, Lula deixou um pré-projeto à sucessora, que Dilma e o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, engavetaram.
Lula também se movimentará com desenvoltura pelo universo político-partidário, seja para reorganizar um derrotado campo progressista, seja para mantê-lo coeso até 2018. Nos dois cenários, tem desde já a intenção de acercar-se de um dos rivais de Dilma na eleição, Eduardo Campos (PSB). Quando de 2012 para 2013 o ex-governador de Pernambuco deu sinais de que concorreria à Presidência, Lula temeu pelo futuro do PT. Via potencial em Campos para aglutinar os insatisfeitos com Dilma e construir uma candidatura forte, capaz de quebrar a polarização PT-PSDB. Hoje, acha que a candidatura não decolou, nem decolará.
Tal reaproximação não parece impossível, já que Campos desenhou uma campanha com críticas focadas na gestão Dilma, sem estendê-las ao ex-presidente, por quem tem respeito e gratidão. Se funcionar, haverá uma vítima certa. O PMDB, do vice de Dilma, Michel Temer, tende a perder o posto de noiva do PT na eleição de 2018.
A eventual troca de aliado preferencial teria uma dupla vantagem para o PT. Campos faz uma campanha que prega uma “nova política”, mais “limpa”, o que ajudaria a melhorar a imagem petista, castigada pela rejeição nas pesquisas de opinião. Além disso, como diz um dirigente petista, os peemedebistas ajudam a ganhar eleição, graças à ampla estrutura partidária, mas atrapalham o ato de governar, devido ao conservadorismo de seus caciques.
Em segredo, o petismo torce para o PMDB encolher no Congresso após a eleição, o que reduziria a capacidade do partido de criar problemas para o governo. Mas mesmo que siga parrudo, o Planalto já terá um alívio com a saída de cena de dois poderosos caciques. O senador José Sarney vai enfim se aposentar, no fim do ano. E o presidente da Câmara, Henrique Alves, recordista em número de mandatos, disputa o governo do Rio Grande do Norte e não voltará a Brasília. Sem eles, o Planalto terá de lidar com apenas dois outros caciques do PMDB: o senador Renan Calheiros (AL) e o deputado Eduardo Cunha (RJ).
por André Barrocal na Carta Capital