Josias de Souza faz malabarismo com as palavras. No texto abaixo com o título acima ele critica Aécio Neves, dizendo mais ou menos assim: O candidato se saiu muito mau na entrevista. Mas, acho que...sei não, mas parece que sei lá...realmente, ele não convence nem mais seus correligionários. Confira:
Aécio Neves inaugurou a série de entrevistas com os presidenciáveis no 'Jornal Nacional'. Espremido, livrou-se das questões incômodas com a habilidade costumeira. Seu desempenho foi festejado pelo tucanato. O diabo é que não havia apenas correligionários do outro lado das câmeras.
O candidato falou para uma plateia potencial de 36 milhões de pessoas. As pesquisas informam que um pedaço dessa audiência está de saco cheio dos políticos e de suas práticas tradicionais. Para esse eleitor avesso à política o excesso de habilidade por vezes se confunde com esperteza, eis o problema.
Aécio não pronunciou no telejornal da Globo uma mísera novidade. A menos de dois meses da campanha, ele foge do risco. A exemplo do que sucedera em outras entrevistas e sabatinas, Aécio levou a virtude no coldre. Distribuiu a mesma rajada de compromissos redentores e princípios civilizatórios.
William Bonner abriu a conversa pela economia. O senhor não detalha os cortes de gastos e aumento de tarifas públicas por que não vai tomar tais medidas ou por que elas são impopulares? Aécio falou “de forma muito clara”, como tem feito “em todos os fóruns.” Ou seja, desconversou: “Vou tomar as medidas necessárias a que o Brasil retome o ritmo de crescimento minimamente aceitável.”
“O que o brasileiro quer?”, perguntou o candidato de si para si. “Transparência”, ele respondeu, repisando um dos vocábulos que transformou em bordão. O eleitor quer “um governo que tenha coragem de fazer aquilo que seja necessário… blá, blá, blá.” O senhor não respondeu, interveio Bonner, refazendo a pergunta: sua receita inclui a redução dos gastos públicos e o fim da defasagem das tarifas de energia e gasolina?
E Aécio, “com absoluta clareza”, voltou a desconversar: “No meu governo vai haver previsibilidade em relação a essas tarifas e em todas as medidas.” Previsibilidade é outra palavra que o candidato utiliza como escora, arrimo, bastão, cajado do seu discurso. “Ninguém espere no governo Aécio Neves o pacote A, o PAC disso, o PAC daquilo. Ou algum plano mirabolante.”
Mas vai aumentar as tarifas?, Bonner insistiu. “Nós vamos tomar as medidas necessárias”, voltou a escorregar Aécio. Todo mundo sabe que, passada a eleição, a gasolina e a conta de luz ficarão mais caras. Mas nos lábios de Aécio o aumento vira “realinhamento”. Quando e como? “Obviamente, quando você tiver os dados sobre a realidade do governo é que você vai estabelecer isso.”
Bonner desistiu. E Patrícia Poeta mudou de assunto. Injetou na prosa um tema nada poético: corrupção. Citou o mensalão mineiro do PSDB e as propinas pagas a servidores do governo tucano de São Paulo pelo cartel de trens e do metrô. Sapecou: Por que o eleitor iria acreditar que existe diferença entre PSDB e PT nessa matéria?
“A diferença é enorme”, disse Aécio, “porque no caso do PT houve uma condenação pela mais alta Corte brasileira. Estão presos líderes do partido, tesoureiros do partido, pessoas que tinham postos de destaque na administração federal, por denúncia de corrupção.”
Não fosse pela renúncia de Eduardo Azeredo ao mandato, a essa altura o STF talvez já enviado ao xadrez tivesse um deputado federal do PSDB, ex-presidente nacional da legenda. Mas Aécio pulou essa parte do enredo. “O que eu posso garantir é que, no caso do PSDB, se eventualmente alguém for condenado, não será, como foi no PT, tratado como herói nacional, porque isso deseduca.”
Patrícia Poeta continuou perguntando em prosa, não em versos: Eduardo Azeredo, principal beneficiário do esquema, fugiu do julgamento no Supremo pela porta da renúncia, ela lembrou. E está apoiando sua candidatura. Isso não lhe causa desconforto? “Ele está me apoiando, você colocou bem, Patrícia, não é o inverso”, disparou Aécio, um dos gatilhos mais rápidos do faroeste em que se converteu a política nacional. […] Eu não prejulgo, não prejulguei os petistas, não vou prejulgar os tucanos.”
Do outro lado da tela, recostado no sofá da sala, os telespectadores que desceram ao meio-fio em junho de 2013 ficaram autorizados a desenvolver o seguinte raciocínio: por esse critério, se o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa decidissem apoiar Aécio, o candidato não se importaria em ter do seu lado duas condenações esperando para acontecer.
Bonner aterrissou a conversa na pista de pouso de Cláudio. Considera republicano construir um aeroporto que valoriza as terras de sua família, assentadas a seis quilômetros da benfeitoria instalada na fazenda desapropriada do seu tio-avô? “Tenho que agradecer muito a oportunidade que você me dá de tocar nesse tema”, disse Aécio, antes de desviar o diálogo para outros temas.
“O meu governo foi um governo republicano, foi um governo absolutamente transparente. Eu transformei Minas Gerais num Estado que tem a melhor educação do Brasil no ensino fundamental, a melhor saúde de toda a Região Sudeste…” Falou ainda de asfalto e de telefonia celular. Só então sobrevoou Cláudio.
“Fiz um programa chamado ProAero, que ligou 29 cidades de um total de 92 aeroportos que existem espalhados por Minas… Nesse caso, especificamente, se houve algum prejudicado foi esse meu tio-avô, porque o Estado avaliou aquela área em R$ 1 milhão, ele reivindica na Justiça R$ 9 milhões, não recebeu R$ 1 até hoje.”
Tem algum tipo de constrangimento ético pelo fato de ter utilizado essa pista quando visitou a fazenda da sua família? “Não, não tenho, até porque não sabia que essa pista não estava homologada…” Bonner atalhou: minha pergunta é sobre usar um aeroporto que foi construído pelo Estado de Minas Gerais para visitar uma fazenda sua. Isso não lhe constrange?
Não, Aécio não se constrange: “Eu visitei praticamente todos os aeroportos de Minas Gerais, trabalhando como governador do Estado e o fato central é esse, que a Anac, porque é muito aparelhada hoje, […] durante três anos não conseguiu fazer o processo avançar e homologar o aeroporto.”
Em verdade, há vários outros fatos centrais que constrangem o eleitor que, desejoso de mudança, busca alternativas presidenciais. Supondo-se que a cidade de Cláudio precisa mesmo de um aeroporto, Aécio deveria ter evitado enterrar R$ 13,9 milhões numa pista desapropriada de um familiar.
Optando pela fazenda do tio-avô, não deveria ter deixado as chaves da propriedade com um parente. Mantendo a porteira sob controle de um parente, deveria ter apressado o registro da Anac. Na falta de certificação, não poderia ter utilizado a pista. Pousando, talvez devesse incluir em sua prosa algo que se pareça com uma autocrítica.
Para os padrões tradicionais, Aécio saiu-se muito bem na entrevista. Mal comparando, ele se comportou como um Tom Mix que entra em cena para expulsar os bandidos do saloon. Ou um Durango Kid que, isento de dúvidas ético-existenciais, julga-se capaz de conquistar o oeste espiritual dos eleitores que desejam mudança. as centenas de milhares de almas que sonham em ser conquistadas por uma novidade heroica. Isso basta?, eis a questão. O povo anda muito desconfiado. E povo desconfiado é imprevisível. Um perigo.