A Operação lava jato e os suspeitos não usuais, por Fábio de Sá e Silva (*)


Ao longo do processo eleitoral, grande imprensa e oposição encontraram na Operação Lava Jato o que parecia ser um instrumento perfeito para a crítica ao governo e à então candidata à reeleição, Dilma Rousseff.

Na ocasião, o script da operação batia com o que ambas, ao longo dos últimos anos, buscaram vender para a população como a ontologia da corrupção.

“Políticos” da base aliada haviam se apropriado de setores do Estado, utilizando-se desta condição para auferir recursos para os seus partidos.

Varram-se do mapa, pois, tais “políticos”, e a corrupção estará liquidada.

“Quer acabar com a corrupção?,” perguntava Aécio Neves, no tom agressivo que caracterizou sua campanha, no espaço nobre do debate da Rede Globo, “Tire o PT do poder,” ele próprio respondia, para o aplauso efusivo de sua claque.

Mas entre tais prescrições, as capas fajutas de revista semanal e os boatos nas redes sociais versando sobre a morte do doleiro Youssef, Dilma sobreviveu e se reelegeu.

E a Lava Jato, por sua vez, não se conteve no script que se lhe pretendiam destinar.

Enquanto lideranças tucanas como Aécio, Aloysio Nunes e FHC flertavam com posições golpistas, pedindo recontagem de votos e fustigando manifestações pró-impeachment, a operação entrava em sua sétima fase.

Além de outros executivos da Petrobrás, como o ex-diretor de serviços, Renato Duque, presidentes, vice-presidentes e diretores das maiores empreiteiras do país ocupavam as carceragens da Polícia Federal no Paraná.

Ganhavam evidência, ademais, histórias lamentáveis, mas ao mesmo tempo bastante prosaicas.

Exemplo é o do ex-gerente executivo da diretoria de serviços da estatal, Pedro Barusco, que para não ser preso se propôs a devolver US$ 100 milhões que teria recebido como propina de empresas como a Toyo Setal.

US$ 100 milhões!

Tais desdobramentos delineiam, pois, outro quadro para a Lava Jato.

A criminologia, especialmente em suas vertentes mais críticas, costuma ressaltar a natureza estigmatizante dos processos de criminalização.

A definição de um crime, primeiro como tipo penal genérico, e depois como categoria concreta de acusação, costuma cumprir funções ligadas à exclusão social de indivíduos e grupos.

Um dos mecanismos garantidores dessa incidência excludente é a configuração de “suspeitos usuais”.

Diversas pesquisas sobre a ação das polícias, por exemplo, demonstram que há maior propensão de que tais forças atuem sobre jovens negros ou migrantes, na medida em que elegem atributos como o “uso de bonés” ou “moletons” como fatores de suspeição.

Isto permite entender por que Aécio e seus ventríloquos dos grandes meios têm feito tanto esforço para colar no esquema de corrupção que ora se apura na Petrobras o codinome de “Petrolão,” em referência explícita ao “Mensalão”. Em seu discurso de retorno ao Senado, por exemplo, Aécio chegou a condicionar a possibilidade do “diálogo” pleiteado por Dilma à apuração do “escândalo” assim denominado.

Para personagens como Aécio, é crucial configurar o ocorrido na Petrobras como expressão de práticas “petistas”. É isso o que lhes permitirá sustentar a oposição de verniz udenista na qual, na ressaca dos resultados eleitorais obtidos em 2014, eles têm apostado todas as suas fichas – e da qual parecem esperar alcançar o poder, senão pelo voto, pelo golpe.

Diante de caso repleto de cifras que causam justa e necessária indignação aos cidadãos, portanto, convém continuar apontado o dedo para os “suspeitos usuais”.
A realidade, porém, pode frustrar estas expectativas.

Enquanto não aparecem nomes de “políticos”, em parte por conta de prerrogativas de foro privilegiado, evidencia-se para a opinião pública a relevância e a magnitude da participação de funcionários de carreira e de ícones do setor privado no esquema.

Exatamente algumas das categorias que gostam de apontar o dedo para a corrupção “dos políticos”, que dizem “controlar” com sua ação tecnicamente independente, ou “sustentar” com o suor de seus impostos.

A propósito, muito feliz a reação de Janot à tese das empreiteiras de que foram vítimas de “concussão” ou “extorsão”: “Como a concussão te obriga a fazer um cartel, fraudar uma licitação e ganhar um dinheirão? Está sendo extorquido para ganhar dinheiro? Para ter que botar US$ 100 milhões no bolso? Vamos combinar, não é?,” disse o PGR.

Também parece ficar claro que o produto da corrupção na Petrobras, se por ventura foi parar em contas partidárias, também serviu para encher bolsos de gente como Barusco. Aliás, ao final, pode ser instrutivo comparar o que foi para “partidos” e o que foi para indivíduos oportunistas e inescrupulosos, como Barusco ou Costa.

E mesmo quando aparecerem os nomes dos “políticos,” nada garante que vão se restringir aos da base. Até jornais cujos donos têm saído às ruas empunhando cartazes impublicáveis já dão conta da existência de “alguns outros”; e peças do Ministério Público no processo sugerem que o esquema estava em operação “há pelo menos 15 anos”.

Como farão, assim, grande mídia e oposição para lidar com essa enxurrada de suspeitos não usuais?

(*) Ph.D. em direito, política e sociedade pela Northeastern University (EUA)

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