Dilma Rousseff e os 51,6% de eleitores brasileiros que lhe deram seu voto em 26 de outubro têm direito a uma comemoração de gala depois de ontem. Numa decisão que surpreendeu a área jurídica do próprio PT, o TSE aprovou, por 7 votos a 0, as contas da campanha presidencial.
A decisão não resolve nenhum problema que o governo Dilma poderá enfrentar na economia, na composição do ministério ou na articulação com aliados durante o segundo mandato. Mas livrou a presidente de um inevitável mal-estar na cerimonia de diplomação, marcada para 18 de dezembro e também na posse, em 1 de janeiro. Para quem, como eu, sempre considerou que havia uma motivação essencialmente política nas insinuações e ilações sobre as verbas de campanha, o 7 a 0 marca uma vitória da democracia, uma manifestação de respeito pela vontade do eleitor. Mas não só.
Às voltas com uma oposição agressiva, capaz de estimular passeatas que falam em impeachment e pedem intervenção militar, num ambiente pesado no qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso permite-se questionar a “legitimidade” de seu mandato, Dilma livrou-se de um constrangimento — a mancha política de ser empossada com as finanças de campanha sob suspeita. Imagine as manchetes de hoje, em caso de derrota da presidente. Nem é preciso imaginar. Embora Dilma tenha vencido por unanimidade, o que nem sempre acontece, os meios de comunicação já destacam, na cobertura,que foi uma vitória “com ressalvas” — ignorando que esse termo é usado quando os juízes encontraram incongruências e contradições menores, e nada que possa justificar uma rejeição das finanças de campanha. Foi uma vitória maiúscula.
O próprio Arnaldo Versiani, ex-ministro do TSE, que fez a defesa do PT na tribuna, não pediu mais do que isso. Após uma intervenção consistente e detalhada, no início do julgamento, Versiani pediu aos ministros que votassem assim — aprovação com ressalvas.
As principais críticas às contas da campanha de Dilma haviam sido formuladas pela assessoria técnica do próprio TSE, e também por auxiliares do PSDB. Mas não foram confirmadas pelo trabalho de especialistas do Banco Central, da Receita e do TCU que também foram convocados a examinar a documentação. O Conselho Federal de Contabilidade, que designou um de seus membros para fazer o mesmo trabalho, chegou a mesma conclusão. Idem para uma auditoria que o próprio PT mandou fazer na Alemanha.
A vitória de Dilma foi valorizada, em particular, pelo desempenho de um personagem principal: o relator Gilmar Mendes, ministro que desde 2012, no julgamento da AP 470, tem-se destacado pela caráter ideológico de seus votos contra o PT. Ontem, Gilmar fez um discurso duro, de mais de duas horas, no qual desenvolveu um raciocínio com muitas voltas, que permitiam imaginar que poderia ir para um lado ou para outro. Mas ele deu o voto que seria seguido por um plenário que, até então, dava sinais de divisão.
Até então, em conversas em voz baixa pelo auditório, advogados, jornalistas e procuradores projetavam uma votação apertada, para qualquer um dos lados. O início do julgamento foi tenso. Dias Toffoli, presidente do TSE, elevou a voz para dizer que o Planalto demonstra desprezo pela Justiça. Muito criticado por ter permitido que Gilmar assumisse a relatoria do caso depois que expirou o mandato do titular, Toffoli lembrou que havia insistido por várias semanas para que o o governo indicasse um substituto e deixou deixou o plenário, para só voltar horas depois.
Na ausência de Toffoli, Gilmar Mendes assumiu o centro do julgamento. Como vice-presidente do TSE, sentou-se na cadeira de presidente. Como relator, definiu o debate. O placar mudou depois que ele declarou que aprovava as contas de Dilma — com ressalvas. Se havia outros ministros que poderiam acompanhar um voto contrário ao PT, mudaram de ideia. Quem tinha argumentos prontos para rebater Gilmar, caso ele se voltasse contra Dilma, foi obrigado a colocar a arma na bainha.
O advogado Fernando Neves, antigo ministro do TSE, disse no final do julgamento que “bastava conhecer os argumentos de quem queria rejeitar as contas para ver que era um trabalho sem muito sentido. Se tivesse votado pela rejeição, Gilmar Mendes teria negado tudo o que fez em sua carreira. Ele sempre deu votos técnicos.”
Flavio Caetano, chefe da assessoria jurídica da campanha de Dilma, disse a mesma coisa, com palavras menos suaves: “A ideia de rejeitar nossas contas não parava de pé. Quem votasse pela rejeição teria muita dificuldade para se explicar no futuro.”
Tradução: poderia haver muita vontade política para criar um embaraço para Dilma antes da posse, mas a rejeição das contas não era o melhor caminho.
Não custa registrar uma novidade. Durante o governo Lula, o mesmo Gilmar Mendes que se transformou num inimigo sem igual dos petistas na AP 470 funcionou como um interlocutor privilegiado do presidente. Após o 7 a 0 de ontem, cabe perguntar se o ministro poderá desempenhar o mesmo papel no segundo mandato de Dilma.