A pessoa que você costumava ser ainda dita o que você faz
Quando eu e meus amigos chegamos à idade de frequentar a noite, reconheci que nos dividimos em duas facções. Havia aqueles que iam para a balada dançar, e os que sentavam em mesas de bar para beber e falar alto.
Eu odiava a balada. A música era horrível, batidão eletrônico, puro ruído. Acho que fiz três tentativas de me divertir dessa forma, mas então cometi um erro que acabou durando muito tempo. Concluí algo sobre mim mesmo que não era para concluir: que dançar não era para mim.
O fato é que, como se veio a descobrir, era necessário examinar a questão bem mais a fundo. Porém, não dei bola para ela. Pensei que já sabia. Havia sofrido três noites entediantes bebendo cerveja barata sob ofuscantes luzes azuis, fingindo estar feliz com a saída, mas em silêncio me perguntando como é que as pessoas conseguem gingar os corpos ao som de remixes acelerados de Ricky Martin. Então, sem perceber, decidi que não era do tipo que dança. Adoro música, mas não a música que as pessoas dançam.
Uma generalização ampla assim, que diz respeito a quem você é e o que é ou não para você, pode afetar alguém por um bom tempo. Nos doze anos subsequentes todos os convites de sair para dançar foram automaticamente rejeitados.
E basta isso para excluir algo de sua vida, uma única instância de afirmar para si mesmo, “Não é para mim”. O problema é que não pensamos muito sobre o que exatamente constitui o objeto que rejeitamos, e assim somos levados a desconsiderar, por mera associação, muitas experiências que talvez sejam para nós. Perdemos nossos símbolos de vista.
No início desse ano minha convicção se quebrou — durante uma viagem; é viajando que parece que sempre reconheço que um equívoco sobre mim mesmo, que mantive por muito tempo, acabou de morrer. Quando vi estava sentado de pernas cruzadas no chão da casa de um amigo, falando sobre música com uma moça que havia recém conhecido. Gostei dela imediatamente, e cada vez que ela mencionava um artista que eu também gostava, eu me sentia mais próximo dela.
Quando ela mencionou que gostava de dance music, eletrônica de pista, senti forte o desapontamento – uma conexão mais fraca, por um momento. De alguma forma, depois de metade da minha vida se passar desde que eu primeiro revirei os olhos para o pessoal do tunt-tunt dos anos noventa, percebi que parte do que eu havia visto e odiado a agradava.
E isso porque eu já sabia que aquilo não era para mim. Há muito sabia. Não danço. Acho que já disse isso.
Porém, eu já sabia que seu gosto era excelente, e assim fui explorar a música de que ela falou, e claro que não soava nada como o batidão eletrônico pop que eu havia odiado enquanto adolescente. Era fantástico. Despretensioso e refinado.
E agora eu danço. Adoro dançar. Devia ter dançado esse tempo todo.
Até aquele momento – mas não desde então — a imagem que eu tinha em minha mente de sair para dançar era a mesma que eu havia rejeitado 12 anos antes: adolescentes bêbados dançando num horrível clube suburbano ao som do pop do momento.
O que me surpreendeu era quão relevante minha opinião dadance music ainda parecia ser, até aquele momento. Parecia verdadeira, mas era baseada em dados inadequados, como a maioria das nossas opiniões provavelmente é. Ainda assim tendemos a ver nossas próprias crenças como se fossem conhecimento real.
Eu não havia percebido o quão enferrujada e obsoleta era minha opinião da “dance music”. Na verdade, desde que eu a havia considerado pela última vez, o sol havia nascido e se posto quatro mil vezes, guerras haviam sido travadas, fronteiras redesenhadas, grandes amores começaram e terminaram, eras haviam morrido. Crianças com cinco anos naquela época agora dirigiam carros, mas ainda assim eu achava que tinha uma ideia bem clara do que estava evitando.
Não posso dizer ao certo o que minha rejeição juvenil da dança me custou. Certamente centenas de noites fantásticas. Certamente dezenas de amizades e conexões que não se formaram. Certamente desviou todo o progresso que eu poderia ter tido com relação a timidez e insegurança.
Naturalmente minha personalidade gradualmente se conformou na direção das qualidades da facção da mesa do bar, e para longe da facção da pista de dança – na direção de vibes mais passivas, onde sentamos e conversamos com as mesmas poucas pessoas, e me distanciando de dinâmicas sociais mais ativas e íntimas. Sei agora que meu eu anterior é menos eu do que o atual, dado o ponto de vista superior em que agora habito, aos 31 anos de idade. Tudo que sei ao certo é que perdi muito daquilo que realmente amo.
Ou seja, essencialmente, aos trinta e um anos de idade, uma vasta área de minha vida – o jeito que eu exploro a noite, como me divirto – ainda estava sendo decidido por um garoto preconceituoso de dezenove anos de idade. Vejo agora o trabalho tão ruim que aquele rapaz de dezenove anos havia feito. Ele não me conhece. Ele não sabe o que eu valorizo, o que me dá energia, o que eu devo temer ou o que eu devo buscar. Nem mesmo minha versão de 29 anos de idade faria um bom trabalho em me dizer o que fazer. Sou uma pessoa diferente.
Isso acontece muito. A maior parte do que você faz (ou não faz) hoje foi decidida por uma pessoa que você foi anos atrás, uma pessoa com menos experiência de vida e menos discernimento sobre seus valores. Sua identidade – como quem você é para si mesmo, quem você é para os outros – muda ao longo da vida, e a pessoa melhor qualificada para decidir como passar seu tempo hoje sempre será quem você é agora.
Mas muitas vezes não operamos dessa forma. Operamos embasados em conclusões que fizemos anos atrás, geralmente sem nenhuma ideia de quando exatamente as fizemos, ou por quê. A maioria de nossas impressões mais evidentes são provavelmente baseadas numa única experiência – uma única instância de desapontamento ou desagrado que nos desconectou para sempre de categorias inteiras de atividades recreacionais, estilos de vida e buscas criativas.
A conclusão não é o ponto em que se encontra a verdade, é o ponto em que paramos de explorar. Fazemos isso rápida e inconscientemente e os efeitos são duradouros. Em um instante o que fica é uma crença estabelecida, uma espécie de “fato” impostor em sua cabeça, deixado ali numa época em que você não tinha noção de nada.
Muitas coisas que sentimos que não são para nós, na verdade são. A pessoa que se constumava ser ainda quer que sejamos a pessoa que já fomos.
As crenças são colecionadas como revistas velhas, exceto que embora elas direcionem nosso comportamento, não conseguimos reconhecê-las, e assim não pensamos em limpá-las ou descartá-las. Podemos estar bem familiarizados com a ideia de desafiar as próprias crenças, mas como se faz isso na vida real? Sentamos com uma lista enorme e repensamos cada um dos itens?
Isso é abstrato e chato demais, e se você já tentou isso, sabe que não vai dar em nada. Na vida em tempo real, momento a momento, descartar crenças sobre si mesmo implica simplesmente fazer conscientemente coisas que não parecem naturalmente se encaixar em suas expectativas sobre si mesmo, só para ver o que acontece. Se você não faz isso regularmente – isto é, não faz coisas que não são a sua cara – você sem dúvida está perdendo muito do que pode ser quase perfeito para você.
Faça das frases “não é para mim” ou “não sou disso” se tornarem avisos – preste atenção quando as ouvir dizer. Que idade tinha a pessoa que decidiu isso? Foi uma decisão mesmo, ou só uma reação emocional? Quanto você realmente sabe disso?
Verifique se seu estilo de vida ainda não está sendo dirigido por uma versão mais jovem e menos experiente de você mesmo, e que, na verdade, francamente, não conhece você.
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Nota: esse texto foi originalmente publicado no blog Raptitude e traduzido sob autorização do autor.
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