Cadeia da ilegalidade, por Ricardo Melo

A mídia aderiu com tudo às passeatas que pedem desde o impeachment de Dilma à intervenção militar

Adoro rádio. No meu apartamento, alugado, tenho cinco aparelhos ou mais. Sempre ligados em notícias, alternados por momentos musicais. Mídia impressa, televisão, internet --presto atenção a tudo, mas nunca deixo de apreciar a rapidez com que o rádio nos informa.

Neste domingo levei um susto, ou um choque de realidade. Uma das emissoras que eu sempre sintonizo dedicou sua programação inteira à cobertura de atos contra o governo. Nem o futebol transmitiram.

Lembrei do poder do rádio com a Cadeia da Legalidade. Em 1961, quando os militares ensaiavam um golpe contra o vice João Goulart diante da renúncia de Jânio Quadros, o governador gaúcho Leonel Brizola foi à luta. Assumiu os transmissores da rádio Guaíba e passou a disparar apelos pelo respeito à regra do jogo. Ou seja, que Jango assumisse conforme mandava a Constituição da época. Uma bandeira justa do ponto de vista da democracia. Foi bem sucedido, por três anos. Até 1964.

Agora vemos o inverso. A mídia mainstream aderiu com tudo às passeatas que pedem impeachment da presidente, fim da corrupção, afastamento do ministro Toffoli (!!!) e, por que não, intervenção militar. Faltou protestar contra a epidemia de dengue, racionamento, escalada da violência, falta de material escolar --vai ver que não cabia nas faixas.

Não interessa se neste 12 de abril houve mais ou menos pessoas do que em manifestações anteriores. Quem teve a chance de conhecer países em que a democracia existe há tempos sabe que atos como estes são corriqueiros. Você chega a Paris e é surpreendido por uma greve de metrô ou protestos contra o desemprego. Em Barcelona, manifestações quase diárias pedem a independência do povo basco. Nos Estados Unidos, atos contra ou a favor de alguma causa acontecem diariamente. Nada disso impressiona. O que impressiona é a cobertura digna de Copa do Mundo destinada a tais manifestações ocorridas no Brasil. Jornalistas de verdade gostam de notícias. Mas o que poderia ser mais tedioso e revelador do que ouvir o dia inteiro a mesma narrativa (palavra da moda) sobre atos esvaziados ou inflados artificialmente?

O Brasil já viveu campanhas épicas. Entre outras, a mobilização pela Anistia, o movimento pelas Diretas, o impeachment de Collor, as manifestações de 2013. Todas tinham um objetivo definido, a partir de fatos comprovados. E agora? Querem o impeachment? Então assumam. Faz parte. Só não esqueçam de providenciar os motivos e de que os responsáveis maiores por este tipo de decisão na Câmara e no Senado encabeçam a lista de acusados na Lava Jato.

FRASES QUE FICAM

"Você não pode olhar do ponto de vista moral. Os grupos econômicos se articulam. [...] Você não perguntou, mas posso dizer aqui para a mídia: cartel virou sinônimo de delito, mas não é nada mais, nada menos que monopólio. São empresas que combinam preço, não que tomam preço. Esse é um fenômeno supercomum no mundo inteiro. [...] Quando jornais do interior combinam de aumentar e diminuir preço do jornal, há cartel aí [...] Isso não significa que cartel é delito. De repente, em estação de Metrô, em obra pública, diz que se formou cartel e parece que é 'opa, tem cartel aí', mas é o mesmo que se dizer que se formou um monopólio, oligopólio."

(José Serra, PSDB, em 25.ago.2014, quando candidato ao Senado, durante evento para empresários do setor de comunicações. À disposição na internet.)

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