Falar é fácil. Difícil é fazer
Esta máxima acima é uma das que mais gosto, sempre lembro dela quando me ponho a consertar o mundo ou criticar o que outra pessoa esta fazendo - principalmente celebridade e políticos -.
Agora a pouco li uma carta do sr. Cacá Diegues publicado no O Globo, com o chamativo título:
Se eu fosse você, endereçado a presidente Dilma Roussef. Bem, antes de publicar a missiva (abaixo), vou mostrar a todos como falar é fácil. Difícil é fazer.
- Se eu fosse você, senhor Cacá Diegues, não trabalharia para nenhuma empresa do Grupo da maviosa família marítima.
- Se eu fosse você, senhor Cacá Diegues, cobrava da Rede Globo o pagamento de impostos devidos ao Estado brasileiro
- Se eu fosse você, senhor Cacá Diegues, abriu meus sigilos fiscais e bancários e mostrava que não faz exatamente como os seus patrões - Sonegam -, os meus sigilos desde sempre estão abertos para quem quiser
- Se eu fosse você, senhor Cacá Diegues, com todo dinheiro que recebeu do Estado brasileiro para filmar, eu teria várias estatuetas do Oscar na estante da minha sala de estar
- Se eu fosse você, senhor Cacá Diegues, lavava a boca antes de criticar hipocritamente a presidente Dilma Roussef
Sei, senhor Cacá, que não fosse um acento?...
Abaixo o texto do Cacá Diegues endereçado a presidente Dilma Roussef
Se eu fosse você, minha senhora, não deixava mais esse atormentado vazio na vida da gente. Onde existe uma dinâmica de seres humanos, o vácuo será sempre fatalmente preenchido por alguém que pode acabar sendo um indesejável. E tem muito indesejável por aí sangrando galinha preta para tomar o seu lugar. Ou para se aproveitar de sua inércia.
Não que você seja insubstituível, não é. Mas foi a você que a população escolheu, bem que você podia aceitar de uma vez o anel de noivado e enfiá-lo no dedo. Porque parece que você prefere ser acuada remoendo ódios em silêncio, do que partir para construir seu lar com o povo, mesmo que equivocada. Ainda que você desconfie de que não sabe fazê-lo, é melhor tentar do que assistir impávida ao fracasso desse amor.
Tem muita gente de boa-fé que começa a se perguntar se não se enganou ao escolher você. Institutos de pesquisa revelam que, se outubro de 2014 fosse hoje, você iria para o brejo, ficava na calçada da igreja com o buquê na mão. Dê uma olhada nas ruas, veja quantos noivos se perguntam se é mesmo esse o matrimônio que sonharam contrair. Casar não é prova de amor, pode ser até o contrário; o amor indestrutível, de verdade, surge aos poucos, ao longo do casamento. Veja a literatura romântica do século 19, inclusive brasileira.
Por puro instinto e por falta de notícias concretas sobre seu envolvimento, não acho que você esteja metida, nem que tenha se aproveitado dos malfeitos que essa sua turma andou aprontando desde tantos anos. Mas, se eu fosse você, me livrava deles, afirmava com ênfase que não tinha nada a ver com o que eles fizeram de errado. Não ia adiantar muito, o outro lado nem assim lhe daria trégua. Mas, ficando sozinha, você poderia escolher seus parceiros como bem entendesse, sem obedecer conveniências, partidos, lobbies, estranhas alianças. Sera que isso pode?
O fato é que, se a chama da esperança for reacesa, quem sabe a rua vem junto. A esperança não é a última que morre, minha senhora; para seguirmos vivendo, ela não pode morrer nunca.
Se eu fosse você, batia o pé e dizia, como na marchinha de carnaval, “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. Os insatisfeitos têm o direito de afirmar sua insatisfação, mesmo que seja aos berros indelicados. A você cabe atendê-los ou não, e sempre explicar direitinho sua escolha. É preciso dar satisfação a todos, inclusive aos insatisfeitos. Ou sobretudo a esses.
No ano passado, numa dessas minhas cartas de amor, aqui mesmo neste espaço de jornal, eu disse que, encerrada a cerimônia democrática, era preciso esquecer o ódio mútuo, a baixaria dos dois lados que antecedeu o ato cívico. Era preciso substituir o ódio (muitas vezes irracional) por tolerância e tentativa de compreensão, em benefício de todos pelos quais os dois lados são responsáveis. Caberia à escolhida estender a mão a quem foi preterido, àqueles que, embora rejeitados, têm o direito de pregar no altar que lhes foi negado. A esses, caberia a oportunidade de oferecer seus préstimos e suas críticas, para que o casamento fosse um sucesso para todos.
Nada disso aconteceu. Você não ofereceu sua mão, não os chamou para conversar; o outro lado também não tomou nenhuma iniciativa para isso, pelo contrário. O desamor se tornou agressivo e ninguém fez nada para que as coisas não caminhassem assim. E agora, perplexa e desnorteada, a grande maioria que não vai às ruas não sabe direito o que pensar disso tudo, se protege do horror no horizonte com um grande medo imparcial. São os mesmos que não os conhecem, mas ouvem falar de Eduardos e Renans que, para armarem suas trapalhadas, se beneficiam do fato de não serem conhecidos, a não ser nas províncias de onde vieram. Parece uma contradição, mas não é: quanto mais não souberem muito bem quem são, mais eles desmantelam os nossos já desmantelados altares dourados, nossas instituições.
Golbery do Couto e Silva, general moderado e esperto, que colaborou com o fim da ditadura militar e com a democratização do país, inventou que a história humana vive de sístoles e diástoles. Para quem nunca precisou fazer um eletro, informo que sístole é quando os músculos cardíacos se contraem e diástole, ao contrário, é quando eles se quedam em repouso. O general queria dizer com isso que, como nossos corações vivem do equilíbrio entre sístoles e diástoles, a história tem momentos de contrações dolorosas, crises provocadas pelo mal funcionamento do órgão, que podem acabar matando o freguês; ou então momentos de alívio e até uma certa harmonia, em que aí o coração corre menos perigo. O Brasil está vivendo um desses graves momentos de sístole, todo cuidado é pouco. É preciso que nossos corações e pensamentos nos ajudem à chegada de uma nova diástole.
Nem sempre se pode fazer o que se quer, sobretudo pessoas que se encontram no seu patamar, minha senhora. Mas é sempre oportuno dar conselhos aos perplexos, àqueles a quem o destino não reservou o sol que esperavam que brilhasse. Os conselhos, às vezes, nos tiram da sombra e nos ajudam a viver.
Se eu fosse você, minha senhora, governava.
* Cacá Diegues é cineasta / carlosdiegues@uol.com.br
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