O velório de 1964, por Jota A Botelho
Agosto de 2015
No mês fatídico da história brasileira estamos assistindo o velório do golpe de 1964. Depois de 51 anos, esse cadáver insepulto finalmente está sendo velado por aqueles que o promoveram. Mas ainda não o enterraram de vez, antes pelo contrário, tentaram ressuscitá-lo, felizmente nos parece tarde demais. O país cansou, tudo ficou velho, anacrônico, ultrapassado. Apesar de estarmos mais uma vez numa crise, e de volta aos velhos hábitos da rendição conciliadora, mas inteiros. Nessa hora o que sempre prevaleceu foi à manutenção da nossa integridade territorial. O país continua imaturo, com muita coisa a realizar, e com seu passivo histórico ainda a descoberto, então não nos resta outra saída senão enfrentarmos a realidade dos fatos. Embora a derrota somente com o nosso consentimento. Mas confronto? Qual confronto? São tantos que mal sabemos por onde começar. A Casa Grande ainda é o centro do poder. Continuará intacta. Um dia talvez... Mais 500 anos? Não se sabe...
O velho sempre novo e o novo sempre velho
As mudanças foram adiadas, afinal os atores são sempre os mesmos. Hoje envelhecidos, enriquecidos, com seus aneis e 'títulos honoríficos'. Lideranças cujos prazos de validades e certificados de garantias estão todos vencidos. Seus subordinados também estão infiltrados e muito bem instalados há muito tempo nos postos chaves do Estado. Seus herdeiros, filhotes da ditadura, em posições eleitas e inimputáveis perante a justiça. Os partidos continuarão eleitoreiros. Algumas empresas perderão escala pela sua própria incompetência e pela corrupção nos saques aos cofres da viúva. Mas sobreviverão. Os principais atores, sabiamente, estão assistindo de camarote toda essa pirotecnia de trapaceiros, aguardando os acontecimentos: os militares de agora e o povo brasileiro. Portanto, não há mais o que temer, exceto a conta que teremos de pagar. Mas sempre somos nós que a pagamos, porque seria diferente agora. 'Tudo como dantes no quartel de Abrantes' - diz o velho provérbio popular.
Final do jogo: A Senhora Presidenta
Golpe abortado, vida que segue. A injustiça à sombra de um país errado não se resolve, ó rapaz! Murmura-te um protesto tímido, já que estás nu mesmo. Mas nada de precipitar-se ao mar, meu filho! (1). Logo tudo voltará ao seu lugar, no Portal do Senhor (2):"... Alumbra lume de alume, Lusbel de pedralume! Como zumbido nos ouvidos persistia o rumor dos sinos chamando para a reza, malduplestar da luz na sombra, da sombra na luz. Alumbra lume de alume sobre o estrume, Lusbel de pedralume! Alumbra, alumbra, lume de alume..., alume..., alumbra..., alumbra, lume de alume..., alumbra, alume...Os mendigos arrastavam-se pelas cozinhas do mercado, perdidos na sombra da Catedral gelada, de passagem para a Praça de Armas, por ruas largas como mares na cidade que ficava atrás sozinha e abandonada.A noite os reunia ao mesmo tempo que às estrelas. Juntavam-se para dormir no Portal do Senhor sem outro laço além da miséria comum, maldiziam, xingavam-se entredentes com senha de inimigos que se provocavam, lutando muitas vezes a cotoveladas e outras vezes rolando pelo chão e tudo, rolos nos quais além de se cuspirem mordiam-se raivosos. Essa família de parentes da lata de lixo não teve jamais travesseiro nem esperança". (...)__(1)
Consolo na Praia, parafraseando C. D. de Andrade / (2) O Senhor Presidente, Miguel Ángel Astúrias, Ed. Brasiliense/1969, tradução de Antonieta Dias de Moraes, abertura do capítulo I, Primeira Parte, pág. 11. Ilustrações de Guadalupe Posada. Fotomontagem: Jota A. Botelho
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