No dia 26 de julho de 2005, teve início a Ação Penal 470, popularmente conhecida como "Mensalão". Uma estranha história cheia de subterfúgios, que teria começado pelo nome de "CPI dos Correios", mas que apesar dos protestos transformou-se em "CPI do fim do mundo". O que deveria ser específico tornou-se amplo, geral e irrestrito, ao ponto de mais tarde mudar seu nome para "CPI do Mensalão". Anos depois, quando foi aberta a "CPI da Petrobrás", voltou a regra antiga: tinha que ser específica - em fato, pessoa, partido e tempo. De tão restrita, mal teve cobertura da imprensa.
A Ação Penal 470 tinha acabado de inaugurar o "tribunal de exceção". Houve quem dissesse não ser de exceção, pois não fora adrede criado para aquilo. Não faltou jurista cínico de renome para defender tal tese, desconsiderando o óbvio. Um tribunal em si não foi criado, mas o julgamento tinha contornos de exceção, que desaguou no "domínio do fato". Quando da AP 470, o cidadão José Dirceu já havia renunciado ao cargo de ministro e mesmo depois de cassado e não mais gozando de foro privilegiado, foi julgado e condenado pelo mesmo tribunal.
No dia 12 de setembro, o até então deputado Eduardo Cunha foi cassado e, diferentemente de José Dirceu, seu caso está sendo transferido para o juízo singular do novo tribunal de exceções (Curitiba/PR). Um destino semelhante do "Mensalão Tucano", cujo personagem central, Eduardo Azeredo, renunciou ao mandato e o caso seguiu para a primeira instância, em Minas Gerais. Desse modo, ao sabor das conveniências, tão bem fundamentadas quanto o parecer de "Janaina 45 dinheiros", a competência para julgamento se desloca conforme conveniência do script de um golpe sem data de nascimento.
O golpe consolidado em 31 de agosto último teve seu cinismo contemplado com o selo do Supremo Tribunal Federal, que de sua parte, de acordo com as conveniências, seguiu ou não seguiu a harmonia e independência dos Três Poderes, conforme previsto na Constituição Federal rasgada. Servem de exemplos os controversos casos de Eduardo Cunha e Delcídio Amaral, a suspensão da nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a rapidez ou lentidão como um ou outro caso é decidido. Sempre em harmonia com os interesses do golpe.
Foi nesse chafurdar de lama que nasceu a figura jurídica do "convite coercitivo" dirigido a Lula; deu margem ao protagonismo das cenas de faroeste moral por membros do Ministério Público. Se não bastasse o proselitismo promovido por um barnabé do MP/SP, o brasileiro assistiu a recente "Opereta do Power Point", em Curitiba/PR - ao que tudo indica patrocinado por um fanático, ainda que eu não tenha provas e me sobrem convicções.
A pretensa ação moralizadora de Curitiba teria como referência a "Operação Mãos Limpas" (Itália), que terminou, entre outras cenas, com a literal explosão de um juiz e a ascensão ao poder do mafioso Silvio Berlusconi. Qualquer coincidência com o impostor "Michel Iscariotes" não é mera coincidência e o pior vem depois. Tragédias descartadas, sabe-se que na Itália, quando faltaram provas, apelou-se para o clamor popular e para a tal "convicção". Os apelos políticos e "religiosos" de Sérgio Moro e do MP/PR, respectivamente, sugerem não ser preciso perguntar: entendeu ou quer que desenhe?
Os programas eleitorais invadem os lares com as mesmas farsas, truques e engodos, sem que a essência da questão seja tocada: o modelo político/ econômico corrupto. Tema tabu, quem ousa debatê-lo tem como cínico e burro recado um "vai pra Cuba". O modelo não é discutido, o que nos remete ao fato de que a "Operação Mãos Limpas" não deixou a Itália menos corrupta. A Farsa Jato segue o mesmo caminho e piorado, quando é descarada e aviltante a imunidade dos bandidos de estimação da classe dominante.
A democracia, sobretudo no Brasil, como dizia José Saramago, aí está como santa no altar - de quem já não se espera milagres. E, ao contrário do que dizia o falecido escritor, sequer já nos serve de referência, por ser mera concessão das elites, conforme sua conveniência. Segue o caminho revelado por um militar mineiro que apoiou a ditadura: democracia é um cão encoleirado que só vai até onde o dono permite.
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